Especial coronavírus: Entrevista com o professor Bruno Andrade (Departamento de Ciências Biológicas)

Para tratar dos mais variados aspectos da pandemia sob a perspectiva das mais variadas áreas do conhecimento, a Adusb inicia uma série de entrevistas sobre o coronavírus com professoras e professores da UESB. O primeiro entrevistado é o professor Bruno Andrade, professor titular do Departamento de Ciências Biológicas, do curso de medicina. O docente coordena pesquisa realizada na UESB, campus de Jequié, que recentemente deu contribuições para o desenvolvimento de drogas que no futuro possam combater o coronavírus.

De acordo com as matérias publicadas, o objetivo da sua pesquisa foi identificar "moléculas de fontes naturais" que pudessem atuar como antivirais contra o SARs-COV2 (vulgarmente chamado de coronavírus). A palavra "natural" aqui é usada em que contexto?

A gente utilizou moléculas de fontes naturais que são moléculas isoladas de plantas, isoladas e de organismos, que são depositados em bancos de dados públicos. Existem vários. O que a gente utilizou é um banco de dados mais completo, chamado de Zinc. A gente selecionou exatamente as fontes naturais, ou seja, moléculas extraídas de organismos e então depositadas lá. Por isso que a gente considera isso uma vantagem, já que de fontes naturais, a gente tem como saber a origem da molécula, qual a planta ou de onde veio aquilo ali, então por isso que a gente utilizou esse material.

Que tipo de investimento em infraestrutura de equipamentos e em pessoal foi necessário para qualificar o grupo para desenvolver este tipo de pesquisa? Quantos profissionais na UESB formam o grupo? Qual a qualificação desses profissionais? Qual a fonte desses recursos?

Em termos de estrutura, basicamente o que a gente utiliza no laboratório são computadores, servidores (máquinas). É um laboratório de informática e química computacional, então a gente utiliza basicamente as máquinas, os servidores para poder fazer os cálculos de predição. Esses computadores são de projetos aprovados, tanto de projetos com recursos internos da UESB, de alguns anos atrás, quanto de recursos externos, de projetos com FAPESB, com CNPq. Então basicamente os materiais que a gente utiliza são computadores. Em relação aos profissionais que fazem parte do grupo, eu que sou coordenador, professor da UESB, tem o professor Wagner Soares, e tem mais alguns alunos de mestrado, doutorado, alunos de iniciação científica, alunos de graduação, então envolvendo aí dentro do grupo da UESB, em torno de umas 10 pessoas nesse grupo. A fonte dos recursos como eu falei, são recursos do Estado, de projetos internos, e também federais, de editais federais de pesquisa, não exatamente para o coronavírus, mas para os projetos que a gente já tem no laboratório.

O que é um "antiviral"? Qual a diferença de um antiviral para uma vacina?

Um antiviral é uma droga que vai agir diretamente matando o vírus ou bloqueando, matando sua unidade, bloqueando sua replicação na célula de interesse. Já a vacina é um mecanismo pré-infecção. A vacina é composta de partes do vírus ou vírus atenuados para que o indivíduo desenvolva a imunidade. Caso o vírus venha a infectar a pessoa, ele não vai conseguir se desenvolver, então você acaba adquirindo uma imunidade através da vacina. O que é diferente do antiviral. O antiviral é para quando a pessoa está doente. Ele vai tomar antiviral para combater a replicação do vírus.

Que tipo de tecnologia/investimento/pessoal especializado é necessário para desenvolver os antivirais a partir do resultado dessa pesquisa? Como se dá o processo de produzir antivirais?

O tipo de tecnologia para desenvolver antivirais, depois desses estudos que a gente fez, é basicamente testar essa molécula individual, que foi escolhida. Primeiramente se faz esse teste em células. Depois se passa geralmente para animais e dos animais são passados para seres humanos. São chamados os testes pré-clínicos e clínicos. Óbvio, depois de todos os testes realizados, você chegaria em uma ou duas moléculas, você não consegue chegar em tantas ao mesmo tempo, mas chegaria em alguns potenciais para se ter um antiviral efetivo.

Em relação aos profissionais que fazem esses tipos de testes, geralmente são os pesquisadores mesmo, que trabalham com a parte da virologia ou então indústrias farmacêuticas, tem também esses profissionais especializados para cultura de células, para teste com animais e de testar essas moléculas.

Muito se tem falado sobre o uso da Hidroxicloroquina e o Remdesivir, inclusive com relatos de casos de automedicação e de até morte pelo uso indevido desses produtos. Já existe comprovação científica de que essas drogas possam prevenir ou curar a COVID-19? Quais são os perigos da automedicação com esses produtos?

Em relação a hidroxicloroquina e o remdesivir, realmente essas drogas estão no mercado e são utilizadas para vários tipos de doenças, como é o caso da hidroxicloroquina, a gente tem o exemplo do lúpus, que é uma doença autoimune, muito debilitante em alguns casos. A gente tem remdesivir, que é um antiviral já conhecido para outros tipos de vírus, outros tipos diferentes do COVID-19. Mas em relação à sua comprovação, tanto da hidroxicloroquina, quanto do remdesivir para o tratamento do vírus, não se tem ainda 100% de certeza, que essas drogas funcionam. Apesar da gente ter utilizado elas nos estudos, no nosso artigo, a gente utilizou elas como parâmetro para selecionar outras moléculas, já que existem testes laboratoriais, mas não tem nenhum teste ainda para se afirmar que aquilo efetivamente vai curar todas as pessoas que tomarem a hidroxicloroquina ou o remdesivir. Então nesse caso você tem dois problemas, que é a questão da automedicação, que a pessoa pode utilizar aquela droga sem necessidade, desenvolver efeitos colaterais e muitas vezes até levar a problemas graves, por causa desses efeitos colaterais. Ainda tem a questão do abastecimento, então as pessoas que vão precisar realmente dessas drogas, não vão ter como utilizar porque vai faltar na farmácia, vai faltar no distribuidor. É muito perigoso para as pessoas utilizarem essas drogas sem ainda ter uma definição se servem ou não.

Sabemos que vírus são altamente mutáveis. Isso também ocorre com o coronavírus? Há algum tipo de risco para a população neste processo? Como pensar em tratamentos levando as mutações em conta?

Os vírus são muito mutantes. Eles sofrem a impressão do ambiente, principalmente o caso aí do coronavírus, que são vírus de RNA, que são mais sensíveis. Esses vírus acabam passando por um processo de seleção natural grande e que fazem esses vírus alterarem suas moléculas de ácido nucleico, DNA e RNA. No caso do coronavírus, RNA, então isso gera realmente riscos para a população em relação a sua resistência à vacina, por exemplo, ou ao próprio antiviral. É por isso que esses vírus estão sempre ressurgindo. Então você tem uma vacina, mas essa vacina precisa ser a cada período, a cada ano, vem uma nova uma composição de vacinas, exatamente por causa das mutações. Isso vale tanto para a questão da vacina, quanto para a questão dos antivirais. É possível que esses antivirais com o tempo percam um pouco essa atividade, por causa das mutações virais, realmente é um risco, mas não só para o coronavírus, mas para qualquer tipo de vírus isso vai acontecer.

Especialistas falam inclusive em novas ondas de contágio, mesmo que não haja mutação. Qual é o risco disso e o que pode ser feito para evitar isso?

As ondas de contágio são descritas no sentido de que existem muitas pessoas que tem o vírus e que não apresentam sintomas, então caso você não tenha o isolamento social, essas pessoas que não vão ter os sintomas vão sair livremente na rua, não vão usar máscara, não vão se cuidar e vão acabar passando esse vírus para outras pessoas. Isso pode gerar uma nova onda de contágio pelo descuido. Quanto mais se tiver isolamento social por um determinado período, em que se faz um cálculo para saber mais ou menos quando vai ser o pico epidemia, geralmente eles colocam um isolamento em torno de 15 a 20 dias, isso favorece que essas pessoas, caso estejam infectadas, mas sem sintomas, que o ciclo viral passe. O corpo vai eliminar o vírus e aquelas pessoas depois daquele período não conseguirão mais passar, reduzindo essa chance de ter uma segunda onda. O que pode ser feito realmente é manter ainda por mais um período o isolamento social ou liberar as pessoas o mínimo possível. Estimular o uso de máscara em caso de aglomerações, em caso de situações de ônibus, para se proteger.

Em uma última consideração, gostaria de ressaltar que essa situação que a gente está vivendo, de uma pior forma possível, infelizmente, acabou demonstrando para as autoridades a importância de você ter pesquisa, de ter ciência. E a ciência geralmente é feita dentro das universidades, na maioria das vezes, ou então em centros de pesquisa. Talvez o país acordou da pior forma possível para isso. Espera-se que não só os governos, mas a população em si entenda a importância da universidade, da pesquisa, dos centros de pesquisa, dos pesquisadores que estão ali, fazendo aquilo muitas vezes colocando até recursos próprios. Mas de certa forma também agradecer que está tendo incentivo, que estão abrindo os olhos e colocando editais agora de pesquisa para que possa se tentar ajudar a resolver esse problema, então que se acorde cada vez mais para isso aí.