Especial coronavírus: Entrevista com Marcio Bortoloti

Com o anúncio do governo Rui Costa da retomada em breve das aulas presenciais na educação básica, muitos questionamentos estão sendo levantados pela população sobre os riscos que a ação pode representar. Para contribuir com o debate, convidamos Marcio Bortoloti, professor do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas da UESB para discutir modelos matemáticos da covid-19 e o retorno às aulas presenciais.

Vemos muito na imprensa se falar no “número de pessoas saudáveis para qual uma pessoa infectada pode transmitir a covid-19”, de como é importante reduzir esse número para que a doença se espalhe mais lentamente e assim possamos evitar a superlotação dos sistemas de saúde e portanto salvar vidas. Na literatura científica esse número é conhecido como “número efetivo de reprodução (espalhamento) da doença R”. Na modelagem matemática do processo de transmissão da doença, de quais fatores depende “R”?

A Modelagem Matemática tem como objetivo descrever fenômenos de qualquer natureza por meio de ferramentas matemáticas. No entanto, a descrição exata da grande maioria desses fenômenos, naturais ou não, é na prática inviável, devido à sua natureza complexa. Desse modo, empregam-se técnicas matemáticas objetivando a elaboração de uma representação aproximada do fenômeno, mas, ao mesmo tempo, possibilitando a obtenção de respostas suficientemente confiáveis para o auxílio na tomada de decisões.  Na modelagem da propagação de doenças, como a COVID-19, vários modelos podem ser empregados. Podemos citar, por exemplo, os modelos compartimentados, conhecidos na literatura como SIR, SEIR, entre outros. Esses modelos levam em consideração interações entre indivíduos suscetíveis à doença (S), infectados (I), recuperados (R) e expostos à contaminação (E). Essas interações são modeladas pelo emprego de parâmetros que controlam, por exemplo, como se dá uma possível transmissão de um vírus entre esses indivíduos. Tomando o modelo SIR como exemplo, a taxa de variação do número de infectados pode aumentar em função da interação entre pessoas infectadas e suscetíveis, dada por  +bSI, onde b é a taxa de transmissão da doença. Por outro lado, essa taxa pode diminuir à medida que infectados vão sendo curados e pode ser representada por -cI, onde c é a taxa em que os infectados são curados. Se pensarmos que cada indivíduo suscetível tem k contatos com infectados e que a probabilidade de transmissão em cada contato é p, então a taxa de transmissão pode ser escrita como b = kp/N, onde N é o número total de indivíduos e S_0 é o número total de indivíduos suscetíveis à doença. No contexto de uma epidemia, o objetivo é fazer com que o número de infectados diminua o mais rápido possível. Assim, deve-se empregar políticas de controle que façam o número de infectados diminuir, ou seja, façam com que a taxa de variação do número de infectados se torne negativa. Isso acontece quando pkS_0/(cN) é menor que 1. Matematicamente, verifica-se que quando R > 1, o número de infectados cresce até atingir o seu máximo. O número pkS_0/(cN), para o modelo SIR, é chamado de número efetivo de reprodução. Portanto, esse importante parâmetro, o número R, depende de vários fatores, mas em particular, podemos destacar dois deles. O número de contatos (k) entre indivíduos infectados e suscetíveis e a probabilidade de contaminação durante cada contato (p).

Como se explica, matematicamente, o efeito do isolamento social na redução da “taxa de reprodução” da doença? Como isso se relaciona com a redução do número de pessoas saudáveis que podem entrar em contato com o vírus e com o fechamento das escolas?

É importante manter o número R sempre menor que 1, a fim de garantir que o número de infectados diminua. Se imaginarmos um cenário sem isolamento social ou com um isolamento pouco eficiente, ou seja, com muitas pessoas circulando sem as devidas precauções, a chance de uma pessoa ter contato com o vírus aumenta de forma relevante, fazendo com que o número R fique maior que 1, e consequentemente, o número de infectados cresça. As medidas restritivas são importantes em casos em que não há vacinas ou tratamentos eficientes para a doença, como é o caso da COVID-19. Nesse contexto, a escola, um ambiente que reúne grande número de pessoas em locais fechados, poderia se tornar um foco de transmissão do vírus.  Além disso, uma escola pode reunir pessoas de diversos bairros ou cidades, o que é um fator importante para o espalhamento do vírus em um município ou em um estado.

Aumentar repentinamente o número de pessoas saudáveis que podem entrar em contato com o vírus, como aconteceria com a retomada de aulas presenciais nas escolas, como se discute agora, teria algum impacto na taxa de reprodução da doença, desse ponto de vista matemático?

De fato, fazendo uma análise limitada a uma escola, podemos observar que sendo R =  (pk/(cN))S_0  e aumentando o número de pessoas saudáveis (S_0) nesse ambiente, podemos concluir que o número R aumentaria proporcionalmente com relação a S_0, mesmo que existindo pouca  interação e pouco contato entre indivíduos. Portanto a reabertura de escolas, no momento atual, poderia causar um impacto relevante no comportamento da doença e fazer com que o número de infectados aumente consideravelmente.  

Como você avalia a comparação feita pelo governador Rui Costa, da situação das escolas com as dos shoppings centers?

Uma escola não é um shopping center! Pode-se começar a observar grandes diferenças em suas instalações sanitárias. Muitas escolas já não tinham instalações sanitárias adequadas mesmo na época anterior à proliferação do vírus. A presença de muitas pessoas em um ambiente com pequena área e circulação de ar limitado, como é uma sala de aula comumente encontrada, poderia gerar um grande núcleo de circulação da doença, favorecendo a geração de um vetor de contaminação em um bairro ou até mesmo em uma cidade. Seria bom observar que nem todas as famílias frequentam um shopping center com frequência, mas um número expressivo delas possui alguém que frequenta uma escola diariamente. Essa alta frequência é um fator importante para o aumento das infecções.