Troca de experiências e encaminhamentos marcam segundo dia de encontro sobre intervenções nas IFE

Nesta quinta (12), docentes de diversos lugares do país deram continuidade ao Encontro das Universidades, Institutos Federais e Cefets em luta contra as intervenções, realizado em Brasília (DF). De 2019 até o momento, pelo menos 25 Instituições Federais de Ensino (IFE) sofreram intervenções, seja com a nomeação de candidatos que estavam em segundo ou terceiro lugar na lista tríplice, seja com indicação de reitores e reitoras pró-tempore.

Os debates, iniciados na quarta (11), tiveram sequência com a mesa “As intervenções e suas consequências para o ensino, a pesquisa e a extensão: autonomia universitária e a gestão democrática sob ameaça” . Aline Faé, docente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), foi a primeira a falar e relatou um pouco sobre a realidade da sua universidade, que está sob intervenção desde agosto de 2019.

Ela explicou que, desde a intervenção, várias práticas antidemocráticas ocorrem nas instituições, e que o apoio da diretoria do ANDES-SN e das seções sindicais tem sido fundamental para os enfrentamentos. “Desde o início, a nossa realidade foi marcada pela perseguição em que a presidente do nosso sindicato e outros membros da diretoria foram acionados judicialmente. A intervenção ameaça a democracia e, com isso, as decisões do colegiado não são respeitadas, assim como as decisões das congregações, dos conselhos consultivos e superiores”, disse.

A docente acrescentou que, em paralelo, a comunidade sofre com a usurpação dos papéis dos conselhos, cujos estatutos e regimentos são desrespeitados. “As reuniões dos conselhos têm se tornado desgastantes e têm situações de conselheiros adoecidos pela forma como as reuniões estão sendo conduzidas, com manobras sendo feitas para não se colocar em votação temas  importantes como, por exemplo, a exigência do comprovante da vacina. Com todas essas interferências, muitos professores não querem mais participar, tanto pelo adoecimento quanto pelo clima de medo e ameaça nesses espaços”, contou. A docente também apontou o desmonte na política de permanência dos estudantes e como tem contribuído para a evasão, os cortes nos recursos para a pesquisa, entre outros.

Já Cléber Santos Vieira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), afirmou que defender as ações afirmativas, como as cotas raciais, na graduação, na pós-graduação e no serviço público é defender a democracia, o direito à educação e a democratização da produção de conhecimento e das atividades fins, materializada no tripé ensino, pesquisa e extensão.

“Defender essa políticas, sobretudo nos lugares onde elas têm sido mais atacadas, nas instituições sob intervenção, é lutar contra essas intervenções. É acertado esse debate, é acertada essa inclusão e será acertada uma luta intensa em defesa das cotas raciais. Infelizmente, estamos diante do seguinte quadro, em que a Lei 12711/12, que é a Lei de Cotas na graduação, e a Lei 12990/14, referente às cotas serviço público, estão sendo atacadas. A primeira prevê uma revisão 10 anos após a sua edição e estamos diante desse quadro político de obscuridade, autoritarismo e racismo nas políticas que orientam esse governo. É um momento muito decisivo, no qual ainda tramita um PL que prevê a extinção do critério racial da Lei 12711, retomando um debate antigo em que se dizia que no Brasil não existia o racismo e que o movimento negro queria ‘racializar’ a sociedade brasileira”, alertou.

O docente contou ainda que, apesar da vigência da Lei 12990/14, ainda há uma defasagem muito grande na ocupação de vagas no serviço público por negras e negros. Ele citou o levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “Ações Afirmativas no Serviço Público: A Reserva de Vagas para Pessoas Negras”, o qual mostrou que entre 2014 e 2018 apenas 5,3% das vagas ofertadas em concursos públicos para docentes em universidades federais foram reservadas em cumprimento à cota racial. Estima-se um déficit em torno de 2,7 mil vagas que deixaram de ser reservadas para candidatas negras e negros.

Segundo Ethel Maciel, docente da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e reitora eleita e não-nomeada, as intervenções trouxeram medo e insegurança aos docentes e, ainda, o sentimento de desamparo das instituições. “As intervenções se iniciaram em 2019 e já mostraram como seriam os próximos anos. O medo se estabelece dentro das nossas instituições, se você tem intenção de ser candidata à reitora, você não pode verbalizar isso. Com a pandemia, já estamos desestruturados, com os cortes profundos [no orçamento]. Em março de 2020, eu não sou nomeada para o cargo de reitora. E observamos que as reitoras e os reitores que se posicionaram na mídia e denunciaram o que ocorria nas suas instituições, com a falta de vacinas e de verbas para instituir as ações, foram silenciados e se tornaram reféns junto com as instituições de ensino. No nosso Fórum de Reitores há um grupo que está estudando a relação do corte orçamentário com as intervenções nas instituições federais, aonde ocorreram as intervenções os cortes foram menores”, relatou.

Ethel agradeceu o encontro promovido pelo ANDES-SN e ressaltou o seu objetivo de priorização das pautas de lutas, que inclui a questão das cotas, da permanência dos estudantes, por mais verbas públicas e pela nomeação daquele ou daquela que a comunidade universitária escolheu.  

Bruno Rocha, presidente do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC-Sindicato), contou que a Universidade Federal do Ceará (UFC) está sob intervenção há três anos, mesmo com o candidato eleito conquistando mais de 50% dos votos e o interventor apenas 4%. A gestão, segundo ele, tem sido marcada por redução e cortes de bolsas universitárias, perseguições políticas, assédio moral e os atos antidemocráticos do conselho universitário.

“A intervenção é mais que a nomeação de um interventor, ela é um projeto construído e vem com um conjunto de ações que se materializam e que contam, lamentavelmente, com o apoio de uma parcela dos nossos colegas docentes. O que demonstra que a universidade ainda tem esse perfil conservador e propenso aos atos autoritários. Por isso, desenvolver a democracia universitária é um fator de grande relevância, para que a gente consiga efetivamente impedir esses arroubos autoritários, que vêm desde a origem das nossas universidades, para eles sejam mitigados e extintos”, ressaltou Bruno.

Ele contou, ainda, sobre as mobilizações realizadas pela comunidade acadêmica para publicizar à sociedade a intervenção na UFC, com atos contra o autoritarismo, a criação de um comitê em defesa da autonomia universitária em unidade com técnicos e estudantes, entre outras ações.

Roda de conversa
Na sequência, os e as participantes realizaram uma roda de conversa, na qual socializaram as experiências vividas nas IFE com intervenção e também partilharam sugestões de ações coletivas para serem encaminhadas após o encontro.

Os relatos apontaram situações comuns nas instituições, como a perseguição à comunidade acadêmica, inclusive através de processos administrativos (PADs); tentativas de remover as sedes das entidades representativas das categorias docente, de técnicos e estudantes de dentro das universidades e impedir manifestações, colocadas de faixas e até mesmo acesso aos espaços das instituições; desrespeito às decisões dos Conselhos Universitários e outras instâncias deliberativas das IFE - como a oposição ao passaporte vacinal para a retomada das atividades presenciais -, tentativa de interferir na escolha de representantes desses órgãos, entre outros.

Em algumas universidades também foram relatadas a busca de parceiras com setores privados, cortes de bolsas e verbas para os programas de acesso e permanência estudantil, desmonte ou não abertura dos restaurantes universitários, além de destinação e captação de recursos para projetos de pesquisa de “caráter duvidoso”.

Algumas falas apontaram que a eleição de Bolsonaro e os processos de intervenção trouxeram à tona, em diversas instituições, movimentos conservadores e autoritários que já estavam presentes na comunidade acadêmica. E reforçaram que, para além da luta pelo Fora Bolsonaro, é fundamental seguir na defesa de um projeto de autonomia e democracia plena nas IFE.

Entre os encaminhamentos propostos, foi reforçada a necessidade de envolvimento das comunidades de todas as Instituições Federais de Ensino, e não apenas as com intervenções, e também de toda a sociedade. “Precisamos mostrar para a sociedade a importância das universidades federais para seus estados e o qual nocivas as intervenções e os cortes orçamentários são para a sobrevivência dessas instituições”, afirmou uma participante.

“É fundamental que a gente materialize o resultado desse seminário, para dar visibilidade a esse processo que aconteceu nesses dois dias de encontro. Nesse documento, é importante ter um espaço específico para as consequências das intervenções, além de destacar os processos diferenciados e os caminhos que cada seção sindical adotou no âmbito da sua comunidade, para aprendermos com essas importantes formas de luta nessa conjuntura”, afirmou Regina Ávila, secretária-geral do ANDES-SN, ao final do evento. O ANDES-SN irá preparar um material com a sistematização dos debates dos dois dias de encontro.

A diretora do Sindicato Nacional ressaltou que a categoria docente tem um desafio muito importante nesse ano que é articular as lutas gerais em curso – mobilização dos servidores federais por recomposição salarial, indicativo de greve, recomposição orçamentária -, sem perder as particularidades do que significam as intervenções na escalada autoritária e para o projeto do Capital. “As propostas apresentadas aqui são importantes para que a gente possa pensar uma campanha que envolva ações concretas nas universidades, com a mobilização dos outros segmentos, em especial estudantes”, acrescentou.

Regina lembrou que o Encontro foi resultado da discussão da categoria e da articulação das seções sindicais das IFE em intervenção. “A mobilização e construção pela base é uma das coisas mais importantes que temos nesse sindicato e é o que faz a nossa luta”, destacou.

Protesto
Na tarde dessa quinta, os e as docentes participantes do Encontro se uniram às demais categorias de servidores e servidoras, na Esplanada dos Ministérios, para um ato em defesa da Educação Pública, pela recomposição imediata dos salários dos SPF e pelo Fora Bolsonaro. As e os manifestantes se concentraram em frente ao Espaço do Servidor, no bloco C, e seguiram em marcha até a Praça dos Três Poderes.

 

Via andes.org.br