Violência sistêmica: diante de alto índice de assassinatos pela polícia, ONU cobra governo brasileiro

O alto índice de assassinatos causados pela polícia no Brasil motivou uma cobrança internacional ao governo por órgãos ligados às Nações Unidas. Em uma carta de 48 páginas, as organizações pedem esclarecimentos sobre 69 assassinatos ocorridos desde 1999, incluindo 13 menores de idade, até hoje não esclarecidos e impunes.

O documento, obtido pelo portal UOL e revelado pelo jornalista Jamil Chade, aponta que os casos demonstram a “natureza sistêmica e sustentada do uso excessivo e letal da força pelas forças de segurança brasileira”.  A carta foi protocolada em 20 de junho e veio à tona essa semana.

A cobrança é assinada pela relatoria da ONU sobre execuções sumárias, pelo Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Pessoas de Descendência Africana, pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos Forçados e pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre a Discriminação contra Mulheres.

Os casos levantados datam desde 1999, mas a carta destaca o aumento desse tipo de violência sob o governo de ultradireita de Bolsonaro que notoriamente tem um discurso que estimula a repressão contra o povo preto e pobre, enquanto isenta a PM de suas responsabilidades.

Os órgãos pedem explicações sobre 37 indivíduos que foram mortos no Estado do Rio de Janeiro, 18 no Estado de São Paulo, 9 no Estado do Ceará, dois no Estado do Espírito Santo, dois no Distrito Federal, e um no Estado de Goiás.

Em vários dos casos, a carta afirma que "as investigações não parecem ter atendido às normas internacionais, pois as audiências foram alegadamente adiadas várias vezes".

De acordo com a ONU, 25 dos casos referem-se a mortes em batidas ou operações realizadas pela polícia. Vários outros indivíduos foram mortos nas ruas ou enquanto dirigiam por balas perdidas de tiros alegadamente provenientes de veículos da polícia.

"Três casos referem-se a mortes de indivíduos enquanto estavam sob custódia das forças de segurança. Isto inclui indivíduos alegadamente mortos após terem sido maltratados e outros que foram presos com ferimentos e morreram sob custódia alegadamente por falta de tratamento médico adequado", explicam os relatores.

Violência com alvo certo: a população negra

A ONU destaca ainda o recorte racista dessa violência policial. Para as entidades, “os dados ilustram os padrões persistentes de desigualdade racial associados com a ação letal da polícia”. 

Entre 2008 e 2018, as mortes dessa população aumentaram em 11%, enquanto os assassinatos do restante do país caíram 12%.

Em 2020, o Brasil registrou o maior número de mortes em intervenções policiais desde 2013, com 6,4 mil vítimas. 17,6 mortes por dia, em média. 78% das vítimas da polícia eram negros.

Ainda que a lista de casos termine em 2020, a carta ainda cita episódios de violência em outras comunidades em 2021 e 2022, como no caso de Jacarezinho ou Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro.

Os relatores citam também o caso ocorrido em 25 de maio de 2022, com o envolvimento de agentes da Polícia Rodoviária Federal no município de Umbaúba (SE), em que um trabalhador negro Genivaldo de Jesus Santos morreu após ser espancado e trancado num carro da PRF com gás lacrimogênio, que "demonstra a persistência de assassinatos ilegais por membros das forças policiais no Brasil”.

Segundo os órgãos, o governo Bolsonaro não tem prestado informações suficientes, em cobranças anteriores feitas pela instituição. "Lamentamos que as respostas fornecidas (pelo governo) não tenham informações detalhadas sobre as medidas tomadas para garantir a imparcialidade de tais investigações; o resultado de tais investigações e as ações concretas tomadas para evitar a recorrência de tais violações de direitos humanos", disseram.

Por fim, a ONU cobra "informações detalhadas sobre os resultados das investigações conduzidas sobre os 69 assassinatos, incluindo quaisquer dados disponíveis sobre os recursos, incluindo indenização, fornecidos às vítimas, bem como quaisquer sanções administrativas e/ou criminais aplicadas aos perpetradores”.

Basta de genocídio do povo negro e pobre

O fato é que os 69 casos listados pelos organismos da ONU nem de longe representam a violência imposta pelo Estado nas favelas e periferias do país. Todo dia acontece algum tipo de ação ilegal das polícias em território nacional e os relatos são invasão de domicílio sem mandado judicial, execuções sumárias, desaparecimentos forçados e agressões físicas. Só este ano, apenas no RJ, duas chacinas foram feitas pelas forças de segurança no Complexo da Penha e no Complexo do Alemão que deixaram mais de 40 mortos.

A CSP-Conlutas defende a apuração imediata dos crimes e a reparação do Estado às famílias de vítimas da violência policial. Da mesma forma é necessário dar um basta no modelo de segurança pública que penaliza trabalhadores negros e pobres, em nome de uma falsa guerra às drogas em que a grande derrotada é a população.

A desmilitarização da PM, o fim do encarceramento em massa e da falsa política de guerra às drogas são medidas urgentes para enfrentar a violência policial, mas acima, de tudo, a luta contra o racismo deve ser uma luta de raça e classe contra esse sistema capitalista baseado na opressão e na exploração.

CSP-Conlutas com informações do UOL. Foto: reprodução vídeo das redes sociais

 

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