Um raio x da educação da Bahia, na visão do secretário Osvaldo Barreto

O MEC acaba de criar o Enem para os professores. Quer avaliar a capacidade dos educadores brasileiros. Sabemos que a Bahia é um dos estados brasileiros com problemas na educação acumulados ao longo dos anos. Como o senhor vê esta nova forma de avaliar os professores que, por tradição, apenas sabem avaliar os seus próprios alunos?

A avaliação é parte inerente do sistema de educação. A avaliação é um direito que aprimora o sistema de educação visando aquilo que é para mim o básico do sistema: fazer com que haja aprendizado. O que você chama de Enem dos educadores será um sistema voluntário, ou seja, não é obrigatório para os professores, que visa, certamente, ajudar no processo de preparação da categoria. O Enem nada mais é que uma forma de diálogo entre o ensino básico e o ensino superior. É a ponte. Você não tem uma interrupção de procedimento.

O senhor acha que os professores se sentirão confortáveis em passar por uma avaliação dessas?

Toda avaliação é polêmica. Até na vida nossa não gostamos de ser avaliados. Veja que um filho critica a gente e a gente começa a avaliar sobre o que ele disse. Esse conflito de gerações é um conflito altamente produtivo e a avaliação dela, muitas vezes, traumática. O professor vai entender que ele participar da avaliação não lhe trará nenhum prejuízo. O Enem não tem sentido punitivo ao professor. Propõe, através da avaliação, criar mecanismos que possam ajudar a escola e a rede do ensino básico.

A Bahia é um dos estados brasileiros recordistas em professores leigos. Como avaliar com justiça quem nunca se preparou de verdade para isso?

O MEC agora, no governo do presidente Lula, criou a diretoria de formação de professores, um programa de formação continuada de professores. E o governo da Bahia está completamente consonante com o projeto. Até por que a Bahia é recordista nacional de professores sem graduação. Nós temos mais de 70 mil professores nas redes municipal e estadual. E na maioria dos municípios. Isso é uma vergonha para a Bahia. Mas o governo está enfrentando esta situação de uma forma corajosa, a partir de um diálogo com o MEC, e o governador Wagner tem uma meta de abrir até 61 mil vagas para formar novos professores. “Toda avaliação é polêmica. (…) O professor vai entender que ele participar da avaliação não lhe trará nenhum prejuízo. O Enem não tem sentido punitivo ao professor. Propõe, através da avaliação, criar mecanismos que possam ajudar a escola e a rede do ensino básico.”

Mas o problema da educação da Bahia não está somente ligado ao professor leigo. Tem aquele com graduação em uma determinada área que termina lecionando em outra…

… É exatamente isso. O programa tem três linhas de formação. A primeira para o professor e a professora que não têm formação de nível superior. Tem uma segunda linha de formação que é exatamente para dar conta desta questão que você colocou, que é o professor que está dando aula de uma disciplina diferente da formação dele. Por exemplo: você é um professor de português que está lecionando matemática. Então vai ter a oportunidade de fazer uma licenciatura com duração de dois anos para atender a sala de aula. A terceira possibilidade é de um ano, que é um curso com especialização que visa promover uma reciclagem com o professor. Veja que este é um programa que certamente o Enem dos professores termina dialogando com este movimento que está ocorrendo hoje no Brasil.

“A Bahia é recordista nacional de professores sem graduação. Nós temos mais de 70 mil professores nas redes municipal e estadual. Isso é uma vergonha.”

Outro problema da educação baiana está diretamente ligado à estrutura das escolas.


Quando o governo assumiu em 2007, a secretaria de Educação fez um amplo diagnóstico sobre a situação física das escolas na Bahia. Àquela época existiam cerca de 1.700 escolas e 50% destas estavam em situação péssima e ruim. Qual foi a estratégia do governo? Investir em recuperação. E foi investido. Hoje nós estamos em curso na secretaria um programa de recuperação de 700 escolas com dinheiro direto na escola. Isso está sendo feito agora e criou um clima de credibilidade junto aos professores e diretores por que ao mesmo tempo em que estamos promovendo a reforma das escolas, estamos fazendo um movimento de fortalecimento da gestão das escolas. Só através disso e criando um grau de autonomia das escolas é que você consegue efetivamente criar um sistema de educação forte. A escola tem que ter um papel central na educação.

Não é a secretaria.

E o professor, secretário. Qual mesmo o grau de importância que o estado enxerga nele?
O aluno, lógico, é o elemento central de um sistema educacional. Sem aluno não há escola. E o segundo elemento mais importante disso aí é o professor. Temos trabalhado em duas direções. A de fortalecer o professor na base, no sistema formativo. Isso para a gente é sagrado. Hoje temos um diagnóstico da escola pública na Bahia que é preciso sobre cada escola. Cada escola tem um banco de dados e estamos aprimorando isso com a implantação do Sistema Integrado de Gestão Escolar, que é uma evolução na escola pública baiana e vai permitir que a secretaria tenha um contato diário e instantâneo com cada uma das escolas deste estado. Saber quantos alunos estão nas turmas, as notas, a freqüência de alunos e professores. “A escola tem que ter um papel central na educação. Não é a secretaria.”

O senhor fala de freqüência. Gostaria que falasse também de ausência. Há escola ainda sem professor na Bahia.

Fomos autorizados, apesar das dificuldades, a contratar 300 professores de um concurso antigo e estamos contratando novos professores pelo regime do Reda. Vamos chamar cerca de 2 mil novos Redas, cujo edital vai sair ainda esta semana. E já está pronto um concurso onde já está sendo contratada a empresa que vai realizar as provas. Este ano ainda a gente realiza um concurso para 3 mil e 200 vagas. Veja que este é um movimento que visa exatamente o fortalecimento daquilo que é central na escola: o professor.

É comum ver nos noticiários professores sendo acuados por alunos violentos. A violência toma conta das escolas baianas, secretário.

Temos acompanhado diuturnamente esta questão da violência nas escolas. Posso afirmar que se você considerar uma rede de 1.544 escolas e 1 milhão 136 mil alunos, a nossa rede é pacífica. Toda afirmação generalizante sobre a escola, tenho dito que é uma visão preconceituosa contra a escola pública. Chega a ser uma visão racista em relação à maioria dos jovens negros, pardos, pobres que freqüentam a escola pública. Não posso aceitar como secretário da Educação que se crie o estigma de que esta juventude é violenta. Isto seria o fim do mundo.

Mas a violência está aí para todo mundo ver…

… A violência é generalizada na sociedade. Nós estamos perdendo muitos alunos da rede pública para as drogas. E esse é um grande problema que a sociedade tem que enfrentar e ajudar a defender a escola. Agora é preciso destacar que dentro da escola, mais precisamente, você não tem esta violência. O que se diz sobre a violência é que um aluno esfaqueou outro fora da escola. Eu sinto quando perdemos um aluno, mas qualquer jovem de 18, 19, 20 ou 25 anos, ele está na escola, tem vida escolar, é um estudante vítima da violência urbana.
“Toda afirmação generalizante sobre a escola, tenho dito que é uma visão preconceituosa contra a escola pública. Chega a ser uma visão racista em relação à maioria dos jovens negros, pardos e pobres.”

Qual o caso mais grave que o senhor já testemunhou?

Eu vi numa escola em Salvador, 10 alunos foram perdidos para o tráfico. Morreram. Todos jovens com menos de 18 anos. Mas todos os fatos ocorreram fora da escola. E o governador tem batido muito isso. Nós temos uma praga hoje que é o crack, que tem que ser tratado com um problema de saúde pública, uma emergência nacional. Mas nós não podemos ter uma atitude de ataque à escola pública por que a questão do crack também entrou na classe média e nas escolas privadas. Então não adianta esse estigma que se criou. É um estigma problemático que não podemos tratar desta forma que a maioria trata. Estamos perdendo as crianças para o tráfico e temos que tomar providências sociais sérias. O governador Wagner tem feito um esforço tremendo para fazer isso. Agora, essa é uma batalha que fazem politização desta questão aqui no estado, mas é um problema nacional.
“Numa escola em Salvador, 10 alunos foram perdidos para o tráfico. Morreram. Todos jovens com menos de 18 anos.”

A violência tornou-se um assunto do cotidiano, um tema natural a ser debatido…

… É óbvio que existem conflitos entre jovens. Eu, por exemplo, cheguei a trocar tapas com colegas. Mas aquilo acabava ali mesmo. É que hoje você tem uma sociedade com mais casos de violência e uma briga na escola se transforma em casos de violência fora da escola.

O senhor sempre faz questão de destacar que a maior parte da violência acontece do lado de fora dos muros da escola. Isso não é apenas uma definição geográfica de uma tragédia anunciada?

Dentro da escola tivemos este ano três ou quatro casos em todo o estado. A maioria dos crimes em escolas públicas muito bem estruturadas. Aconteceram estes casos nas melhores escolas de Salvador. Se você considerar a violência nas escolas dos Estados Unidos, por exemplo, isso aqui é café pequeno. Claro que temos que tratar isso com seriedade, defender os diretores e a comunidade.

Em alguns estados o chamado contraturno e ronda escolares apresentam resultados positivos. Há queda no número de mortes. A Bahia já trabalha neste sentido?

O governo tem um programa que ainda está na Região Metropolitana, o “Ronda Escolar”, que hoje tem 520 policiais envolvidos. A secretaria tem 25 carros e 10 motos para a PM fazer este trabalho. É um grupamento especializado que tem uma relação estreita com a secretaria de Educação. Nós temos alguns programas que dialogam com esta questão do contraturno que você está colocando. Em parceria com o MEC, tem o “Mais Educação”, que a partir deste ano está presente em 412 escolas da rede. Estamos em curso na secretaria, já com projetos prontos, trabalhando para ainda este ano iniciarmos a implantação de Centros Juvenis de Ciência e Cultura, cuja idéia é exatamente gerar atividades temáticas para oferecer a alunos da rede no contraturno. Tem o Programa “Revitalização” em 300 escolas este ano, que trabalha no resgate do ambiente escolar. O “Escola Aberta”, que abre aos finais de semana, e que já atende a 70 escolas. “O Conselho Nacional da Educação está inclusive discutindo esta questão de você não permitir mais que o aluno seja reprovado até os 8 anos de idade. Porque? Ora, por que é um absurdo você fazer isso. Se algum professor reprova uma criança de 8 anos é o professor quem efetivamente deveria ser reprovado.”

O senhor fala que estamos perdendo alunos, jovens alunos, para o tráfico. Mas estamos perdendo também para as ruas. É altíssimo o índice de evasão escolar na Bahia. Por que isso ocorre com tanta freqüência?

Tem várias coisas. A questão da evasão é complexa. Vai desde a questão do ambiente da escola, a educação que se oferece, até razões de ordem social, econômica, familiar. A educação não vai resolver todos os problemas da sociedade. O que precisamos é resolver o problema da escola e transformar a escola em algo prazeroso, lúdico, num local que atraia a criança. Um dos grandes problemas de evasão está relacionado à reprovação. Essa é uma praga. O Conselho Nacional da Educação está, inclusive, discutindo esta questão de você não permitir mais que o aluno seja reprovado até os 8 anos de idade. Porque? Ora, por que é um absurdo você fazer isso. Se algum professor reprova uma criança de 8 anos é o professor quem efetivamente deveria estar sendo reprovado pela escola. Quando os problemas da reprovação ocorrem desde a mais tenra idade, isso repercute sobre toda a vida de uma pessoa.

O que o senhor tem a dizer sobre o derrame de Históricos Escolares em Ilhéus, cuja origem é uma escola pública do estado?

Quadrilha é caso de polícia. Não é caso de educação. Bandido deve ser tratado como bandido. Dentro da lei, mas tratado como bandido. É um caso de polícia, mas que nós estamos preocupados com isso e não vamos tolerar qualquer deslize nesta direção. Se for funcionário do estado envolvido, vamos tomar providências administrativas e policiais sempre. Nós temos duas atitudes: combater a fraude e construir sistemas que impeçam a fraude. Este Sistema de Gestão Escolar a que me referi um pouco antes vai combater isso. Ele pode até emitir um certificado, mas ele não poderá mais alterar a freqüência do aluno. Quero apenas concluir dizendo o seguinte: no Brasil temos casos até de falsificação de diplomas de médicos. Imagine uma rede como a nossa. O que quero deixar claro é que não toleraremos nenhum caso deste.

Fonte: Jornal Bahia Online