PNE: alerta para não haver retrocesso no Senado

Texto aprovado na Câmara inclui 10% do PIB para a educação como exigiam os movimentos e entidades ligados ao setor, embora só no final da vigência do Plano. Mobilização agora será para que senadores não cedam à pressão do governo para reduzir o percentual.

Em um contexto de greve nacional dos professores, técnico-administrativos e inclusive estudantes das universidades públicas, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o Plano Nacional de Educação (PL 8035/2010) incorporando o ponto mais polêmico: a destinação de 10% do PIB para o setor. O Plano que vigorará nos dez anos subsequentes à sua aprovação deve seguir para o Senado, embora ainda exista a possibilidade de que o texto seja discutido no plenário da Câmara caso 51 deputados decidam por isso.

'Difícil'

Em nota à Agência Brasil, o Ministro da Educação, Aloizio Mercadante, disse que vai ser difícil cumprir com o repasse de 10% do PIB. Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o MEC pressionará para baixar esse percentual no Senado e é tarefa dos movimentos sociais não deixar que isso aconteça. "Semana que vem já começamos a fazer reuniões com os senadores, para saber o que estão pensando sobre o plano e tentar construir entendimentos sobre as possibilidades de participação da sociedade civil no processo de tramitação", afirma.

Segundo Daniel, a campanha começa também a analisar tecnicamente o documento saído da Câmara para propor aos parlamentares sugestões de melhoria do texto.  "Vamos conversar com os senadores para saber se eles estão dispostos a receber sugestões, caso contrário, vamos partir para o processo de mobilização e pressão". O coordenador da Campanha pelo Direito à Educação critica a postura do MEC na discussão do PNE, considerada contraditória.  "Nunca antes na história do mundo um ministério de base social vai fazer o trabalho que deveria ser feito por um ministério fazendário, é mais do que contraditório o MEC liderar o debate do governo para reduzir o volume de investimentos no setor. Na verdade, para ser justo, hoje conseguimos avaliar que quem mais atrapalhou o processo de tramitação foi o MEC, não foi a Fazenda. A Fazenda, na verdade, passou a tarefa para o MEC, que agiu de forma mais conservadora do que o próprio Ministério da Fazenda", questiona.

10% para o Petróleo

De acordo com Daniel, a Campanha tem cálculos que embasam a viabilidade da aplicação dos 10% do PIB na educação pública. "Só para dar um exemplo: a Petrobras lançou há duas semanas um relatório sobre a capacidade e a decisão de investimento da empresa. Esse relatório diz que até 2016 vão investir 10% do PIB para garantia da exploração de petróleo. Se a Petrobras vai investir R$ 460 bilhões, que, na verdade, representam mais do que 10% do PIB, é impossível que o Estado brasileiro, considerando que ele é composto pela soma dos estados, municípios, distrito federal e da União, não consiga dar conta dos 10% do PIB para a educação em dez anos, prazo mais extenso", aponta.

Para compor este percentual, o texto aprovado na Câmara define também que 50% dos recursos da extração de petróleo no pré-sal e no pós-sal serão destinados à educação. "Esta vinculação vai fazer com que estados e municípios que recebem petróleo contribuam com mais para a educação, então, esse repasse de recursos não será feito apenas pela União", salienta Daniel.

10% em 10 anos

O texto aprovado define percentuais progressivos de investimento na educação - 7% nos primeiros cinco anos do Plano e 10% até o final dos 10 anos.  "É claro que seria melhor atingir 10% do PIB para a educação antes desse prazo, mas o Estado brasileiro não tem instrumento contábil para garantir 10% já, então, obrigatoriamente tem que ser gradativo esse processo", comenta Daniel.

Os deputados incorporaram também o indicador Custo Aluno Qualidade (Caq), criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, como parâmetro a ser adotado para os investimentos, que deve passar a valer dois anos após o início da vigência do PNE.  O Caq estabelece o custo por aluno ao ano em cada etapa da educação básica levando-se em conta aspectos considerados essenciais para a aprendizagem, como infraestrutura das escolas - bibliotecas, laboratórios, internet banda larga, entre outros - e remuneração adequada, bem como formação continuada dos professores.

Urgência

Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Laura Fonseca, os anos de sucateamento da educação pública exigem urgência no aumento de recursos para a educação. Ela situa a atual greve dos professores e técnico-administrativos das universidades públicas e dos professores da educação básica no ano passado como exemplos das dificuldades pelas quais passam o setor.  "Desde a discussão da Conae [Conferência Nacional de Educação, realizada em 2010], a sociedade brasileira, os movimentos sociais, os estudiosos de financiamento, vem levantando essa premissa de que 10% do investimento público na escola pública é o mínimo, imediatamente, para começar a reverter o caos na educação brasileira", reforça.  Laura acrescenta que é preciso estar vigilante para que estes recursos sejam destinados exclusivamente à educação pública.

O texto do PL 8035/2010, conforme foi aprovado na comissão especial, ainda não está disponível, mas, segundo Daniel Cara, que acompanhou de perto a votação, com a mobilização da sociedade civil, os deputados asseguraram no texto que estes recursos devem custear somente a educação pública, sem que haja margem para investimento público em setores privados. Ele acrescenta que um aspecto importante da aprovação do PNE é que a incorporação do Caqi no plano fará com que uma parcela considerável dos recursos seja destinada à valorização dos docentes da educação básica.

Laura, que também foi coordenadora pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) da campanha ‘10% do PIB para a Educação Já!', desenvolvida desde o ano passado por vários movimentos e entidades, também critica a postura do MEC em considerar "difícil" a aplicação dos recursos. Ela lembra que na previsão orçamentária de 2012, 47,19% dos recursos da União serão destinados para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto para a educação a previsão é de investimento de 3,18% dos recursos e para a ciência e tecnologia, apenas 0,43%. "Essa dificuldade é uma opção política do governo sobre como ele divide o orçamento. Se quase 50% dos recursos vão para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, obviamente fica difícil pensar em 10% do PIB para a educação, mas se a prioridade fosse de fato políticas públicas de Estado, a previsão seria ao contrário - apenas de 0,43% para pagamento de juros e amortizações da dívida, e mais de 40% para a educação, saúde - ou seja, políticas que contribuem para a qualidade de vida da população trabalhadora que, com o pagamento de impostos, compõem parte desse fundo público", aponta.

Sucateamento da educação pública

Apenas três universidades públicas federais ainda não entraram em greve. De acordo com o balanço do Andes [dia 28/06], 56 universidades estão paralisadas e dois Institutos Federais de Educação Profissional, além das unidades do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. "Desde a gestão de Fernando Henrique Cardoso, há uma desorganização do nosso salário como servidores públicos, não recebemos mais salário integral e passamos a receber gratificações. Além disso, nossas carreiras estão desestruturadas, o nosso plano de carreira federal é de 1987, nessa época a maioria dos professores não tinham doutorado, hoje a maioria das universidades sequer faz concurso para professores sem exigir doutorado para ingresso e nosso plano de carreira não tem esse aspecto", observa Laura, sobre os motivos que levam os professores a se mobilizarem.

Segundo a professora, a situação da educação básica também é caótica. "Aqui no Rio Grande do Sul, o sindicato [dos professores da educação básica] denunciou no ano passado e retrasado que contiveres estavam sendo usados como espaço para sala de aula, isso é um absurdo e esse sucateamento da esfera pública não é só desse governo, é um acúmulo. No ano passado a educação básica deu o seu grito, esse ano a esfera federal está dando o seu grito de basta", reforça.

Para Daniel Cara, outro avanço alcançado no texto do PNE é a garantia de avaliação do cumprimento das metas do plano. Ele lembra que do PNE passado, apenas um terço das metas foram cumpridas e que dessa vez muitos mecanismos de controle foram propostos, embora os parlamentares tenham resistido e aceitado apenas alguns. "O texto inclui a obrigação do Inep de produzir relatórios e estudos que analisam o cumprimento das metas e estratégias do PNE a cada dois anos. Isso será um mecanismo de controle social imprescindível para a garantia do sucesso deste PNE. O Plano passado teve só um terço das metas cumpridas porque foi um plano que não teve acompanhamento e controle social. Esse plano não pode cometer o mesmo erro", diz.

Fonte: Caros Amigos