Dilma decreta que crime ambiental em Mariana (MG) é desastre natural; porteira está aberta para Vale, Samarco e BHP se safarem de arcar com essa conta
Foto: G1

Quando pensamos que não tem como piorar, nos deparamos com absurdos e leviandades como essa. A presidente Dilma editou um decreto em que considera “como natural o desastre decorrente de barragens” provocado pela Samarco em Mariana (MG). Leia:

“Para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, considera-se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais.”  

O que foi feito exatamente foi a alteração do decreto que possibilita o resgate do FGTS em caso de desastres naturais para incluir entre as hipóteses o “desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais”.  

Inicialmente o argumento é de que, para efeitos imediatos, decretar como desastre natural permite com que as pessoas que foram atingidas possam sacar o FGTS, já que esta é uma prerrogativa para o saque. O que já era um descaramento, pois toda a população que foi atingida deveria ser ressarcida pelas empresas e não ter de usar o dinheiro que pode ser uma poupança para a aposentadoria ou outros fins. Ou seja, ao liberar o FGTS, o governo está fazendo com que os próprios trabalhadores paguem por esse crime ambiental que destruiu suas vidas.

A advogada do Sindicato Metabase de Congonhas, Ouro Preto e região dos Inconfidentes, Juliana Benício, denuncia: “O FGTS é uma poupança feita pelo trabalhador para ter uma segurança em momento de desemprego ou na velhice e não para arcar com prejuízos que lhe foram impostos pelas mineradoras mais ricas do mundo”.   Apesar de essa decisão ser considerada de má fé para com os trabalhadores, a presidente Dilma fez algo pior. Ao definir esse crime ambiental de imensas proporções em um decreto como um desastre natural abre brechas, ou melhor dizendo, uma porteira, para inocentar a Samarco, a Vale e a BHP.

“Não existe nada de natural no crime cometido pela Vale, Samarco e BHP em Minas Gerais e no Espírito Santo. Na realidade, essa é mais uma prova de que esse governo está a serviço das mineradoras, contra o povo”, rechaça indignada Juliana.

Uma das primeiras justificativas da Samarco foi inclusive afirmar que havia ocorrido um abalo sísmico para se eximir da responsabilidade. Mas a justificativa não se sustentou.

Essa situação tem causado apreensão em moradores e trabalhadores em outros locais de mineradoras em Minas Gerais. Para o dirigente do Sindicato Metabase de Congonhas, Ouro Preto e região dos Inconfidentes, Rafael Ávila, existe uma preocupação em como as empresas tratam os trabalhadores e a comunidade. “Existe muitos desmandos, seja com a questão de segurança, os direitos, salários e um descaso também com a comunidade que vive em volta das mineradoras, e o rompimento dessa barragem só veio agravar essa apreensão e insatisfação”, comenta.

Os trabalhadores da mineração da região estão em fase de negociação de campanha salarial e agora estão sob a sombra de demissões, que para tal estão revindicando estabilidade no emprego para os diretos e terceirizados. “Mas defendemos também a reestatização da Vale sob o controle dos trabalhadores”, diz Rafael, “pois da mineração depende a vida de milhares de pessoa aqui”, complementa.

Favorecimentos e doações

Decretos como esses nos fazem “ligar os pauzinhos”. Seis empresas do grupo Vale: Vale Energia, Vale Manganês, Vale Mina do Azul, Minerações Brasileiras Reunidas, Mineração Corumbaense Reunida e Salobo Metais doaram na campanha de 2014 R$ 88 milhões de reais para partidos e políticos.

A fatia de cada partido que recebeu, acima de 1 milhão de reais, ficou assim distribuída:

PMDB - R$ 23.550.000

PT - R$ 8.250.000

PSDB - R$ 6.960.000

PSB - R$ 3.500.000

PP - R$ 1.500.000

PCdoB - R$ 1.500.000

Além das doações para os partidos e comitês de campanha, a Vale doou também diretamente para candidatos do Legislativo e Executivo.

A candidatura da presidente Dilma Rousseff (PT) recebeu 12 milhões de reais da Vale Energia (2,5 milhões de reais), Salobo Metais (3,5 milhões de reais), Mineração Corumbaense Reunida, a MCR (4 milhões de reais) e Minerações Brasileiras Reunidas, a MBR (2 milhões de reais).

A campanha de Aécio Neves (PSDB) recebeu no ano passado 2,7 milhões de reais da Vale Energia.  

A candidata Marina Silva (PSB, hoje na Rede) recebeu 488 mil reais da Mineração Corumbaense Reunida, a MCR.  

O deputado Eduardo Cunha (PMDB) também está da lista, com 700 mil reais da MCR. A doação foi para o diretório do PMDB, que repassou a verba para o candidato. Ele também recebeu, igualmente por meio do diretório, 1 milhão de reais da CRBS, empresa especializada em prospecção mineral.

Comissões que acompanham rompimento das barragens

Diante da gravidade do rompimento da barragem de mineração da Samarco, foram criadas três comissões parlamentares para acompanhar os trabalhos de investigação sobre o caso.   Há algo em comum entre essas três comissões. Todas são compostas por parlamentares que tiveram a campanha eleitoral bancada por doações de empresas do grupo Vale.

Na Câmara Federal, integram a comissão e receberam doações das empresas ligadas à Vale os deputados Laudívio Carvalho (PMDB-MG), Gabriel Guimarães (PT-MG), Leonardo Monteiro (PT-MG), Paulo Abi-ackel (PSDB-MG), Rodrigo de Castro (PSDB-MG), Paulo Foletto (PSB-ES), Eros Biondini (PTB-MG), Mário Heringer (PDT-MG), Subtenente Gonzaga (PDT-MG), Fábio Ramalho (PV-MG), Brunny (PTC-MG), Givaldo Vieira (PT-ES) e Lelo Coimbra (PMDB-ES). Estes são 13 dos dos 19 membros da comissão que irá acompanhar os desdobramentos do rompimento da barragem”.

Na assembleia mineira, Agostinho Patrus Filho (PV), Thiago Cota (PPS), Gustavo Corrêa (DEM), Gustavo Valadares (PSDB) e Gil Pereira (PP). Aqui, cinco dos nove que integram a comissão receberam doações.   Na assembleia do Espírito Santo, receberam doações Guerino Zanon (PMDB), Janete de Sá (PMN), Rodrigo Coelho (PT), José Carlos Nunes (PT), Gildevan Fernandes (PV), Bruno Lamas (PSB) e Luzia Toledo (PMDB). São sete dos 15 que compõem a comissão.

Ao relacionarmos doações, beneficiados e comissões que acompanham o caso fica claro que é necessário denunciar e exigir urgentemente que a Vale seja reestatizada sob o controle dos trabalhadores. Caso contrário, essas empresas se safarão e quem pagará essa conta serão os trabalhadores e o povo de toda uma região que abrange Minas Gerais e Espírito Santo, mas em um crime ambiental que fere a todos nós brasileiros.

“Quando pensamos que a subserviência do governo Dilma-PT aos interesses do empresariado, dos ricos e poderosos desse país bateu no teto, nos deparamos com esse decreto que, na prática, legitima os crimes ambientais dessas poderosas mineradoras. Não é natural a ruptura de uma barragem, mas é comum o descaso e ganância dos empresários, que não investem em sistemas preventivos de segurança, pouco se importando com as consequências para a população e o meio ambiente, desde que garantido o aumento de seus lucros”, ressalta o dirigente da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, Paulo Barela.

Fonte: CSP-Conlutas