MOÇÃO DE REPÚDIO CONTRA OS CRIMES HEDIONDOS DE ESTUPRO

O Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais, reunido em Brasília no dia 31 de maio, aprovou moção de repúdio contra os crimes hediondos de estupro coletivo ocorridos no Piauí e na comunidade de Morro São João, Jacarepaguá, no Rio de Janeiro e que vitimou uma menina de 16 anos de idade. 

O fato do Rio de Janeiro, filmado em vídeo e postado nas redes sociais, chamou a atenção da sociedade, que pede a punição imediata dos 33 envolvidos. Em depoimento a jovem afirmou que foi para a casa do namorado na última sexta-feira e só acordou no domingo, o que reforça a ideia de que ela teria sido drogada pelos criminosos. Dados de 2015 denunciam que a cada 11 minutos, uma pessoa é estuprada no Brasil. A violência contra a mulher, poderia diminuir significativamente, caso não houvesse na sociedade tantos coautores.

A cultura do estupro incentiva e alimenta as mentes criminosas e a ideia da “objetificação” da mulher. Quando uma menina é abusada até sangrar por 33 homens, seria importante que a sociedade analisasse profundamente o papel que exerce na culpabilização da vítima, na não denuncia de propagandas que exploram o corpo feminino, do “desempoderamento” das mulheres e mais recentemente o papel exercido por um governo ilegítimo, que fechou o Ministério dos Direitos Humanos, retirou uma mulher para dar poder a homens brancos da elite, abriu as portas do Ministério da Educação a um ator que alegou publicamente ter cometido um estupro e depois afirmou ser “piada’.

A sociedade, na medida em que se omite e incentiva esse tipo de comportamento, atua como coautora. Uma criminosa que não suja as mãos no sangue e tomada por uma psicopatia, não sente remorso ou culpa estando diante dos fatos. A luta contra o machismo e misoginia, é todo dia.

Desconstruir essa cultura é urgente, pois ela legitima o estupro como parte fundadora da nossa identidade. Basta lembrar que até 2002 a legislação brasileira permitia que se o estuprador se dispusesse a casar com a vítima resgatando a sua honra ele não podia ser penalizado. Até quatorze anos atrás era aceitável pela legislação forçar uma mulher a viver com o seu estuprador.

Santa Cruz não é o único caso chocante e recente. Vimos com choque e indignação pela imprensa a absolvição de Moacir Rodrigues que estuprou a neta de dezesseis anos em São José do Rio Preto, o caso das adolescentes estupradas e jogadas de um penhasco na cidade de Castelo do Piauí e o caso do estupro de Queimadas, onde homens marcaram um churrasco para estuprar suas vizinhas e colegas de trabalho.

É pela imprensa também que vemos uma das faces mais cruéis dessa cultura. Enquanto provas inequívocas do estupro passavam de timeline em timeline, os links dos jornais falavam em “supostas agressões” e que a vítima “alega ter sido estuprada”. Descredibilizar a vítima num grande veículo de imprensa também faz parte dessa cultura do estupro. Quando o destaque da matéria é relatando que a vítima “frequenta bailes funks”, já foi “usuária de drogas” ou “tem 17 anos e um filho de três anos”; sabemos a quem a construção dessa narrativa está colocando a responsabilidade da violência.

Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, todos os anos cerca de 50 mil pessoas são estupradas no Brasil. Mas o estupro é o crime mais subnotificado do Brasil. Quando cruzamos os dados com os da saúde pública podemos projetar que cerca de meio milhão de mulheres é estuprada por ano no Brasil e que uma em cada cinco sofrerá pelo menos um estupro ao longo da vida. As vítimas têm medo, e toda a nossa cultura impõe a mordaça do silenciamento através da culpabilização.

A saia curta, o álcool, andar sozinha à noite, ter vida sexual ativa: nada disso deveria legitimar um estupro. Mas simbolicamente legitima. O punitivismo contra as vítimas, que deveriam ter se comportado e se preservado para evitar esse transtorno. Não se tem visto na imprensa nos últimos anos o esforço de desconstruir essa ideia, relatando fatos e não fazendo julgamentos morais a respeito das vítimas, expondo suas vidas pessoais. É de uma gravidade  imensa que isso ainda aconteça. É preciso mudar essas práticas já.

É praticamente impossível encontrar uma instituição que não tenha varrido para baixo do tapete casos de estupro cometidos por seus membros - a Igreja Católica é só a mais famosa delas. Mas universidades, empresas e polícia não ficam atrás.

Outro aspecto que não pode ser ignorado é como o sistema de justiça trata esses casos. Apesar de existirem mecanismos de punição dos agressores, eles dificilmente funcionam como deveriam. O juiz que absolveu Moacir Rodrigues em sua sentença relatou que o “não”; da vítima, a neta de dezesseis anos do agressor, foi tímido demais, devendo ela ter se defendido com maior veemência. É comum que a vítima tenha que relatar diversas e diversas vezes o estupro, para diversos profissionais e agentes de segurança, sendo questionada a cada inconsistência narrativa, falha de memória, ou lapso.

Sequer existe a obrigatoriedade dos exames de corpo delito serem executados por uma mulher. Como seguir nessas condições? Essa estrutura é construída para que as vítimas falhem, se sintam acuadas e finalmente desistam. Quando sabemos que dos trinta homens participantes do estupro de Santa Cruz, nenhum deles tomou consciência e tentou impedir o horror, sabemos que estamos em um ponto sem retorno na história da violência contra mulher.

Repudiamos o estupro como ato violento e misógino. Devemos escolher agora se estamos do lado da barbárie ou do lado da civilização e para isso a sociedade precisa se organizar para pressionar as instituições. Para que as vítimas sejam tratadas com respeito e os agressores não estejam acima dos mecanismos legais de punição. Que estejamos todos do lado certo - o lado que não se permitiu calar diante do horror.

Propostas deste coletivo:

1. Que os Poderes Legislativo e Executivo ouçam os movimentos sociais e de mulheres no intuito de construir políticas públicas voltadas para a prevenção do crime de estupro, em particular, e da violência contra a mulher, em geral.

2. Que o Poder Judiciário também prepare suas estruturas e profissionais para o atendimento a essas políticas públicas.

3. Que os procedimentos de atendimento às vítimas sejam executados por policiais e legistas do sexo feminino,

4. Que as vítimas possam realizar o Registro da Ocorrência em local acolhedor.

5. Que os profissionais que atendem as vítimas sejam obrigados por lei a informá-las sobre o procedimento legal de aborto em casos de estupro que é oferecido pelo SUS e amparado pela legislação.

6. Pelo fim da PL 5069 que ainda vai a plenário e pretende dificultar acesso à pílula do dia seguinte e aborto legal em caso de estupro.

Também registramos o nosso repúdio ao Governo Interino de Michel Temer que constituiu um corpo ministerial exclusivamente composto por homens, simbolicamente e literalmente excluindo as mulheres dos poderes decisórios da vida pública.

Repudiamos também esse Governo Interino que, na busca por “minimizar as críticas a esse ministério machista”, nomeou como Secretária Nacional da Mulher uma pessoa conservadora, com um perfil bem distante dos clamores dos movimentos de mulheres. Inclusive, de convicções pessoais declaradas contra o aborto, mesmo o definido em lei para casos de estupro. Quer dizer, alguém, que deveria zelar e buscar ampliar políticas e legislações de proteção à mulher, assume um cargo especifico na contramão de conquistas legais alcançadas pelos movimentos sociais.

Repudiamos o Ministro da Educação Interino, Mendonça Filho, por ter recebido Alexandre Frota em seu gabinete. Alexandre admitiu num programa de tv em rede nacional ter estuprado uma mulher, a deixando desacordada. Essa atitude demonstra que o crime de estupro é tolerado até mesmo nos mais cargos escalões do Executivo.

Encerramos fazendo um apelo aos homens: não é dever da mulher aprender a não sofrer violência, sobretudo a não ser estuprada. É um dever do homem não estuprar nem praticar nenhuma outra forma de violência contra a mulher.

Não seja conivente, não se cale diante de uma violência, seja ela uma breve agressão verbal, uma piada, uma abordagem inadequada, a reprodução de um estereótipo, o compartilhamento de imagens ou fotos. Não sejam coniventes com a Cultura do Estupro.

Relatório elaborado por Luciana Lindenmeyer (ASFOC-SN), Gibran Jordão (CSP/CONLUTAS), Paulo Reis (SINASEFE) e a relatoria de Marcelo Vargas (CNESF).

Saudações Sindicais

FONASEFE

Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais