Desabamento reafirma descaso de governos com política habitacional. É necessário fortalecer luta por moradia

 

Em fração de minutos pode-se perder tudo ou mesmo a vida. À 1h50 da madrugada de terça-feira (1) – Dia do Trabalhador, no Largo Paissandu, começava um incêndio no edifício Wilton Paes de Almeida, que pertencia ao governo federal, e estava ocupado por cerca de 150 famílias. Por volta das 2h50, o prédio desabou como em uma implosão programada. Naquele exato momento, os bombeiros tentavam salvar Ricardo, 30, um dos moradores que havia saído e voltado para salvar mulheres e crianças. Ele morreu. Um dos bombeiros que tentou resgatá-lo falou que por questão de 40 segundos ele poderia ter sido salvo.

Segundo moradores, ao G1, o rapaz vivia sozinho e trabalhava no centro de São Paulo, descarregando caminhões que transportavam produtos chineses, trabalho que permite ganhar R$ 50 por dia. “No seu apartamento tinha mais plantas que móveis”, afirmou um morador.

Em torno dos escombros de concreto e ferro retorcido, restavam a fumaça e um prédio destruído, moradias desfeitas.

Na manhã de terça-feira, o Largo do Paissandu estava tomado de gente. De carne e osso como todos nós. Desempregados ou trabalhadores totalmente precarizados – catadores, ambulantes, vigias, vivendo em condições precárias de moradia, sem assistência social. Eles perderam o pouco que tinham.

Idosa, Sueli, catadora de materiais recicláveis, diz que perdeu tudo. “Eu tinha geladeira, televisão, também perdi meu carrinho de trabalho”. Ela não sabe o que vai fazer. “Perdi todos os meus documentos”, disse desolada.

Presa a uma cadeira de rodas, Maria Quitéria da Silva, 38, morava na frente do prédio. Estava lá quieta num canto, esperando por algo para ela. Precisava de fralda geriátrica, mas disseram que não havia nenhuma.  “Eu morava fora do prédio, mas eles me ajudavam, fiquei nesse estado por causa de outro incêndio”, diz apontando para a cadeira em que está sentada.

Uma das integrantes do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia) que organiza a ocupação, Josiane, pede apoio aos ex-moradores. “Precisamos do apoio dos outros movimentos, precisamos também de um outro prédio, essas famílias vão ficar acampadas aqui na praça até a gente conseguir outro local pra morar, não queremos ir pra abrigo”.

Solidariedade

O que vimos no 1º de Maio no Largo do Paissandu foi uma cena triste. Muitos sem saber o que fazer e outros trabalhando arduamente para receber doações e organizar a distribuição. A maioria das doações era de pessoas que chegavam em carros ou mesmo em transporte público para ajudar. Centenas de pessoas traziam sacolas de roupas, água, leite, alimentos, produtos de higiene pessoal. Montou-se uma rede de solidariedade em poucos minutos.

Vera Campos, moradora da região, ouviu o estrondo durante a madrugada. “Acordei assustada, logo em seguida ouvimos vários helicópteros sobrevoando o centro”. Passou no local, na terça-feira de manhã, para prestar solidariedade. Para o que chamou de uma “terça-feira cinzenta”, reclamou da Prefeitura de São Paulo que levava doações para abrigos quando a maioria dos moradores estava na praça. Chamou de “sabotagem”.

Vera referia-se à ação da Smads (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) que, ao receber doações, encaminhava para abrigos, sem atender os sobreviventes que estavam no local.

Os moradores fizeram um ponto de recebimento em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e ali organizavam as doações entre eles para que não ficasse com a Prefeitura.

 

A responsabilidade é do poder público

A tragédia na vida dessas famílias era anunciada devido ao descaso público – governos federal, estadual e municipal. Poder público que fecha os olhos para esse grave problema social: a falta de moradia aos que precisam, apesar de ser um direito social garantido pela Constituição Federal.

Para se eximir de tal responsabilidade se apressam em responsabilizar os moradores. O governador de São Paulo, Márcio França (PSB), logo caracterizou como uma tragédia “prevista” reportando-se às más condições do imóvel – como se o prédio não fosse público e a responsabilidade pela manutenção não fosse dos próprios órgãos públicos.

No dia do desabamento, França tentou responsabilizar os moradores, dizendo que “é preciso convencer as pessoas a não morar desse jeito”, como se isso fosse uma escolha dessas famílias e não uma necessidade.

O ex-prefeito João Dória (PSDB), que largou o cargo e se tornou candidato a governador, foi mais longe nos comentários à imprensa, já buscando criminalizar os moradores e o movimento, afirmando que “o prédio foi invadido e parte desta invasão é financiada e ocupada por uma facção criminosa”.

Defesa da luta por moradia

“Esta situação pode significar um avanço da criminalização dos movimentos sociais e não podemos permitir. Enquanto a moradia for um privilégio, ocupar é um direito”, reforça o dirigente do movimento Luta Popular Avanilson Araújo, integrante da SEN (Secretaria Executiva Nacional) da CSP-Conlutas.

Aliás, não nos admiremos se no local do prédio desabado surgir um grande empreendimento imobiliário.

A CSP-Conlutas afirmou em nota publicada na última terça-feira (1) que a falta de moradia no país e as tragédias ocorridas em decorrência desse déficit “são de responsabilidade dos governos que reduzem cada vez mais os orçamentos para políticas habitacionais e aumentam o desemprego”.

Campanhas de solidariedade estão sendo encaminhadas pelo movimento Luta Popular, filiado à CSP-Conlutas: “Quando um de nossos atingidos, todos nós somos!”.

A Central se solidariza com os moradores e chama suas entidades filiadas a fazerem o mesmo com toda ajuda possível.

Fonte: CSP-Conlutas