Cortes se agravam e já afetam a pesquisa na Bahia e no Brasil

A comunidade científica brasileira acompanha com preocupação os cortes orçamentários das agências de fomento. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou em agosto falta de recursos para o pagamento de 84 mil bolsas até o final do ano. Por enquanto só há promessas sobre um possível repasse dos recursos necessários. Na Bahia, a situação também é de restrição de verbas para a área da pesquisa. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), apesar de pagar suas bolsas com regularidade, enfrenta um contingenciamento orçamentário de 65% em 2019, o que inviabiliza o financiamento de projetos.  

Os cortes federais de Bolsonaro

Para manter o pagamento das bolsas a partir de setembro, o CNPq necessita de R$ 330 milhões, que estão em negociação no Congresso Nacional, pois precisam ser remanejados de outra pasta. Caso o problema não se resolva, 84 mil pesquisadores ficarão desassistidos. A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) possui hoje 117 bolsistas CNPq, sendo 112 da graduação, 4 de mestrado e 1 de doutorado. Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade da Uesb, Marcos Lopes, a efetivação dos cortes pode “prejudicar essa inserção dos graduandos no campo da pesquisa, que a gente entende como sendo uma das ações importantes da universidade, que é a produção de novos conhecimentos”.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) também passa por problemas. No primeiro semestre, o governo Bolsonaro cortou quase 4,8 mil bolsas, mas recuou parcialmente ao devolver 1,2 mil bolsas aos programas de pós-graduação com notas seis e sete. Em junho, uma nova redução foi anunciada, agora de 2,7 mil bolsas. A Capes atende a 161 estudantes mestrado e 62 de doutorado da Uesb.

As verbas Capes do Programa de Apoio à Pós-Graduação (Proap) são afetadas pela crise. De acordo com a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Uesb (PPG), o Proap atual corresponde a 50% do que era repassado em 2014. A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e Sociedade da Uesb, Edvania Gomes, conta que teve momentos de dificuldades, pois “tivemos que fazer muitas bancas por Skype. A gente sabe que a Uesb tem problemas com a internet, então complicou bastante”.

“A gente vê uma queda do repasse do governo federal para essas agências muito grande. Há ausência de editais, editais que são lançados e não são pagos. Os pesquisadores ficam sem receber as verbas para execução dos projetos. Um cenário que não é nada animador”, revelou o Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Uesb, Robério Rodrigues.

A professora Edvania concorda com a existência dos problemas apontados e ressalta que “uma das exigências da Capes é que o aluno produza. Muitas vezes para que o aluno produza, publique em anais, publique artigos científicos, ele tem que participar de eventos. Se ele não pode participar de eventos porque não tem recurso, fica inviabilizado. De certa forma é um ciclo vicioso que vai inviabilizando a pós-graduação como um todo”.

Rui corta da pesquisa baiana

Uma das principais entidades de fomento à pesquisa na Bahia é a Fapesb, criada em 2001, para apoiar projetos de natureza científica, tecnológica e de inovação. O objetivo da fundação, entretanto, está ameaçado. Durante o primeiro mandato do governador Rui Costa (2015 a 2018), cerca de R$ 55,4 milhões deixaram de ser repassados para a Fapesb, considerando a inflação do período. O montante se refere aos recursos aprovados em lei, mas que não são enviados para utilização.

Segundo informações da PPG Uesb, entre 2015 e 2016, houve corte de 100 bolsas Fapesb na Uesb, mas a situação se manteve estável nos últimos anos. Atualmente a fundação atende 150 estudantes da graduação, 94 de mestrado e 72 de doutorado. No entanto, faltam recursos para o financiamento de projetos.

 “A Fapesb precisa voltar a ter lançamento de editais. Eu torço para que isso ocorra ainda esse ano para que não haja um colapso. Nós assumimos o compromisso de orientar alunos de mestrado, doutorado, da própria iniciação científica e sem a perspectiva de financiamento desses projetos, você acaba travando a vida desses alunos, suas dissertações, teses, que existem prazos a serem cumpridos”, afirmou o Pró-reitor Robério Rodrigues.

Dos R$ 130 milhões orçados para a Fapesb em 2019, apenas R$ 30,3 milhões foram liberados até agosto, um contingenciamento de 65%. O valor disponibilizado representa um pouco menos do que o necessário para o financiamento de três meses do ano.

Na avaliação de Marcos Lopes, “a Fapesb cada vez mais está sendo esquecida pelo governo estadual e isso tem prejudicado muito nossos trabalhos, as nossas investigações. Muitas vezes temos que usar recursos dos nossos próprios salários para se desenvolver alguma das ações, pagar locomoção, às vezes materiais e equipamentos”.

A professora Edvania acredita que há uma política de desincentivo aos professores e alerta para o fato de que “a gente nunca teve autonomia orçamentária, agora a gente também não tem autonomia administrativa, perdendo com o SEI [Sistema de Eletrônico de Informações]. A ideia, de certa forma, é tirar a nossa autonomia inclusive científica, acadêmica, porque é para isso que caminhamos”.

Outro problema para a realização de pesquisas, especialmente nos programas de pós-graduação da Uesb, é a falta de professores. Como as universidades estaduais baianas são jovens, parte da geração de docentes que fundou os programas está se aposentando, porém, o governo Rui Costa se recusa a fazer concursos públicos, principalmente para classes que exigem doutorado, requisito para atuação na pós-graduação.

 O Pró-Reitor Robério espera que “o governo possa nos atender para que no futuro nós não tenhamos que fechar programas por conta de redução de quadro, porque você tem um número mínimo para o programa funcionar”.

Resistir aos ataques e avançar na produção do conhecimento

A Adusb acredita que ensino, pesquisa e extensão são parte do tripé indissociável que fundamenta a universidade pública, para que possa cumprir seu papel social de desenvolvimento científico e social. Nesse sentido, os ataques de Bolsonaro e Rui Costa à pesquisa demonstram a falta de comprometimento com a educação pública e o futuro do país.

Para Sérgio Barroso, diretor de comunicação da Adusb, estes cortes são consequência de uma lógica neoliberal conservadora. “Nessa lógica, o crescimento econômico só é gerado desonerando o lucro e garantindo os rendimentos do setor financeiro, por meio do mecanismo da dívida pública. Para garantir os recursos necessários para isso, na lógica da PEC do Teto, cortam da educação pública e das agências de apoio à pesquisa científica, tecnológica e de inovação. Não importa o prejuízo social destes cortes”, afirma.

A avaliação do dirigente sindical é de que em diversos pontos, os governos Bolsonaro e Rui Costa caminham lado a lado e, em alguns aspectos, o governo estadual já se adiantou em muito ao federal. Sérgio defende que “precisamos enfrentar este discurso e entender que, sem a participação forte do estado no incentivo à pesquisa científica, tecnológica e de inovação, no setor público, nosso país vai ficar cada vez mais relegado ao mero papel de importador de conhecimento e tecnologia estrangeiros”.

Fonte: Adusb com informações do Andes-SN, Folha de São Paulo, G1 e Fapesb.