Entrevista com Edmacy de Souza: População negra, pandemia e educação

Pensando no marco da abolição da escravidão, o racismo estrutural e o atual contexto da pandemia, a Adusb entrevistou a professora Edmacy Quirina de Souza sobre políticas educacionais adotas pelos governos nesse momento de isolamento social . A docente faz parte do Departamento de Ciências Humanas, Educação e Linguagem da UESB (DCHEL).

13 de maio é um marco da abolição da escravatura. Numa sociedade em que o racismo é estrutural e se manifesta de variadas formas, o que essa data representa, em especial neste momento de pandemia da COVID-19, em que os dados mostram que a parcela da população mais afetada pela pandemia é justamente a negra e pobre das periferias?

Esta data se constitui uma comemoração importante pelo fato de milhões de pessoas escravizadas terem saído desta condição de objeto/mercadoria dos grandes proprietários de terras no Brasil. No entanto, a abolição do racismo, da exclusão, do preconceito está longe de se efetivar na prática, pois como você evoca na pergunta, existe um racismo estrutural e institucionalizado no nosso país. E, este momento em especial, o que estamos presenciando é uma necropolítica, conceito usado por Achille Mbembe para designar esta política de morte das pessoas negras e pobres. O vírus pode afetar qualquer sujeito, de qualquer classe social, porém as pessoas que se encontram em maior vulnerabilidade social, que, na sua grande maioria, são pessoas negras, com certeza este grupo étnico está sendo dizimado. O marcador racial continua um elemento central na política de morte empreendida no Brasil. Há estratégias de exterminar o corpo negro e isso não é ao acaso ou uma fatalidade, se constitui uma política que não aponta para a vida e sim para a morte de milhares de negros e negras. Vemos diuturnamente nos noticiários, imprensa livre, dados estatísticos (que não cabe citar aqui as fontes) de que o encarceramento e o genocídio se dão em uma faixa populacional – pobres, negros e jovens. Hoje vemos com a COVID – 19, pobres, negros e negras, idosos/as virem a óbito por não terem um atendimento adequado. Tudo isso representa a cara desta política de morte.

Governos municipais e estaduais estão defendendo o retorno às aulas durante o processo de isolamento social por meio da educação à distância. O que você pensa sobre o assunto, considerando a realidade da população negra no Brasil?

Educação online, lives e EAD em meio a pandemia são uma realidade, uma vez que estamos em isolamento social. Isso seria muito significativo se todos os/as jovens alunos e alunas tivessem acesso irrestrito às Novas Tecnologias como computadores, internet, etc.. Porém não é esta a nossa realidade. Diante de um cenário em que muitos jovens não dispõem das necessidades básicas como alimentação, por exemplo, fica patente a exclusão desses jovens do processo educativo. Assim como o Decreto 1.331 de 1854 proibia o acesso à escola das pessoas que foram escravizadas, hoje temos o impedimento desse grupo étnico do acesso ao conhecimento por não disporem dos recursos supracitados para as aulas. Isso se constitui uma total falta de respeito ao outro - negro e pobre.

Diversas entidades da educação já se manifestaram em defesa do adiamento do ENEM, previsto para o início de novembro, diante da necessidade da suspensão das aulas devido ao Corona vírus. O Ministério da Educação anunciou que o ENEM será mantido na data original. Você acredita que a posição do MEC prejudica de alguma forma estudantes negros?

Quando o MEC foca na manutenção do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, isso demonstra uma política de exclusão do acesso ao ensino superior de muitos/as jovens estudantes. É um acinte. Como esses jovens de escolas públicas, que não dispõem desses recursos tecnológicos, das mídias, que os pais, na maioria das vezes não concluíram nem o Ensino Fundamental, concorrerão em pé de igualdade com quem está em casa estudando e até mesmo tendo acompanhamento de professores de forma online? A Nota Pública do Fórum de Reitores das Universidades Estaduais da Bahia, emitida em 11 de maio do corrente ano, é bem significativa quando discorda das condições impostas pelo MEC destacando que “as desigualdades e disparidades sociais” impactarão na “efetividade e qualidade das ações de ensino”. Esta política do MEC configura em mais uma estratégia de exclusão da população negra, pobre dos bancos das universidades. Esse grupo étnico na universidade tem incomodado a Casa Grande, o que leva a criação de artimanhas para impedir esse avanço.