NOTA DA DIRETORIA DA ADUSB SOBRE O ENSINO REMOTO

A diretoria da Adusb considera que o ensino superior deve ter um caráter formador e crítico, a fim de construir, na interação com a pesquisa e a extensão, a autonomia do pensar e do fazer no exercício profissional e na ação social, que só é possível em sua plenitude na modalidade presencial. Tal perspectiva não nega o uso de tecnologias na mediação do processo ensino-aprendizagem, o que não se deve confundir com o chamado “ensino remoto”, termo atualmente muito utilizado, mas de definição muito vaga.  Também não devemos confundir ensino remoto com “EaD”, modalidade com normas bem definidas. Assim, a diretoria reafirma a sua defesa pelo ensino presencial de qualidade, garantidas condições sanitárias e de biossegurança adequadas. Contudo, considerando que foi lançada para discussão no Consepe a proposta da Reitoria de retomada das atividades de ensino por meio remoto, a diretoria da Adusb, no cumprimento de sua obrigação de sempre ouvir e dialogar com as/os filiadas/os, realizou uma reunião ampliada no dia 03 de julho. Apresentamos a seguir uma série de considerações, preocupações e reflexões, fruto das discussões realizadas na referida reunião ampliada, subsidiadas por reflexões vindas da reunião dos setores do Andes-SN, ocorrida no dia 02 de julho, nos pareceres da Assessoria Jurídica Nacional do Andes-SN sobre o tema e nos documentos apresentados para o Consepe:

  1. Mesmo com a suspensão do calendário acadêmico, as/os docentes não interromperam suas atividades burocráticas e científicas, de pesquisa, extensão e orientação, por meio do trabalho remoto. Portanto, com exceção das atividades presenciais de ensino, todos os fazeres inerentes à docência estão sendo desenvolvidos neste período de pandemia;
  2. As/Os docentes relataram que as atividades de caráter remoto, desenvolvidas nesse período da pandemia, intensificaram a precarização das condições de trabalho, uma vez que é notório o aumento da jornada de trabalho, com a extrapolação da carga horária trabalhista;
  3. Outra preocupação apresentada, relacionada diretamente com o ensino remoto, foi a utilização indevida de imagem e produção intelectual das/dos docentes, que podem ficar expostas/os, caso não haja garantias com sua segurança. Importante lembrar que tramitam no legislativo, nas várias esferas, projetos de lei que criminalizam o fazer docente, a exemplo do Projeto Escola Sem Partido;  
  4. O trabalho remoto, orientado pelos interesses mercadológicos do capital, em função da crise sanitária, exige um novo ordenamento do funcionamento doméstico que impacta diretamente no tempo produtivo de muitos. Essas questões agravam os problemas de saúde mental e exaustão física, em especial das mulheres trabalhadoras, geralmente responsabilizadas pelo trabalho de cuidados e labor doméstico, reflexo da nossa sociedade machista e patriarcal;
  5. É preciso garantir um programa de capacitação adequado às/aos docentes, que respeite os tempos e as diferentes habilidades inerentes à natureza humana. É um equívoco deslegitimar tais diferenças tratando-as como mera tecnofobia;
  6. É preciso ainda considerar a isonomia institucional, respeitando a diversidade de cursos e disciplinas, para evitar que a implementação do ensino remoto amplie abismos. Caso a Uesb faça a opção por esta forma de ensino, deve garantir previamente a infraestrutura para execução das disciplinas, independente da natureza da disciplina ou do curso. As/Os docentes não devem ser penalizadas/os com sobrecarga de trabalho em semestres ou períodos especiais futuros, por conta da natureza de suas disciplinas ou cursos;
  7. As atividades de ensino remoto não devem ampliar a exclusão discente. Muitos discentes se encontram neste momento em situação de vulnerabilidade psicológica e financeira, com condições de acesso precárias ou inexistentes a computadores, telefones celulares e, principalmente, à internet. Há que se considerar também a adequação do tipo de acesso à internet ou dos equipamentos usados para acessibilidade remota. Ter acesso a mídias sociais ou aplicativos de trocas de mensagens, não significa necessariamente estar apto a acompanhar atividades síncronas ou assíncronas de aulas remotas;
  8. No questionário para as/os discentes de graduação, daquelas/es que responderam, 44,2% manifestaram-se contrariamente à continuidade do semestre 2019.2, por meio de atividades remotas. É preciso entender o que motivou tal rejeição ao ensino remoto. Na questão 7, por exemplo, mais de 30% das/os estudantes informaram não possuir acesso à internet em casa. No conjunto dos cerca de 9 mil estudantes da Uesb, isso representa quase 3 mil discentes.  Ainda na questão 13, somente 26,1% das/os discentes consideraram totalmente adequada a continuidade das atividades de ensino por plataformas virtuais, sendo que 33,4% foram completamente desfavoráveis a essa opção.
  9. Ainda com relação ao resultado do “Diagnóstico Acessibilidades Tecnologias Digitais” realizado pela administração, as/os docentes, na reunião ampliada da categoria, destacaram as inconsistências metodológicas da consulta, em particular, a representatividade do espaço amostral. Foi questionado se estudantes que não possuem acesso à internet, tiveram oportunidade de responder ao instrumento diagnóstico. Indagou-se ainda por que os Colegiados não puderam participar da construção do instrumento, para contemplar as especificidades de cada curso. Foi levantada a necessidade de realização de novo diagnóstico, agora com a participação dos Colegiados, com o objetivo de ampliar a participação dos sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem;
  10. Cabe destacar que todos os elementos acima dialogam com nossas preocupações em relação à qualidade de ensino, pedra angular da luta da Adusb. Durante a reunião, foram recorrentes as manifestações de preocupação pela garantia destes elementos em qualquer que seja a proposta a ser aprovada no Consepe;
  11. Considerada a defesa da modalidade presencial de ensino, nos termos do preâmbulo desta nota, e os pontos 3.3.1 e 3.3.2 da pauta da próxima reunião do Consepe, destacou-se na reunião que qualquer alternativa ao ensino presencial deve ter caráter transitório, enquanto não for possível o retorno das atividades presenciais com condições sanitárias e de biossegurança adequadas;
  12. Durante a reunião, também houve grande preocupação de que, já na próxima reunião do Consepe, se delibere pela adoção de atividades pedagógicas não presenciais como forma de desenvolvimento de atividades de ensino de graduação (ponto 3.3.1), sem a possibilidade de alternativas que surjam de plenárias de colegiados ou departamentos possam ser amplamente conhecidas e discutidas na comunidade;
  13. Pelo que se depreende da pauta do Consepe (ponto 3.3.1), pretende-se discutir e deliberar pela adoção do ensino remoto sem que saibamos quais as condições materiais para a sua implementação (pontos 3.3.3 a 3.3.5).  Não podemos partir da máxima “criar o problema para depois resolvê-lo”. O severo contingenciamento orçamentário que o governo estadual impõe às Universidades Estaduais da Bahia, denunciado inclusive pelo Fórum de Reitores, pode inviabilizar a implementação da infraestrutura e suporte necessários para essa transposição.

Ao instituir normativas, como a Portaria 544, que estabelece provisoriamente a possibilidade de “substituição das aulas presenciais por aulas em meio digital” nas instituições federais de educação superior, o governo federal pretende dar continuidade ao seu projeto de sucateamento da educação pública.  No âmbito estadual, o descaso e o sucateamento das Universidades Estaduais da Bahia vêm ocorrendo há muito tempo, vide as denúncias realizadas pelo Fórum das ADs. Portanto, não podemos admitir que o discurso falacioso de que a Universidade “não está funcionando” seja utilizado como motivo para a implantação do ensino remoto e justificativa para a não liberação de recursos. Assim, a diretoria da Adusb entende que a discussão sobre o tema nos fóruns da Universidade - Departamentos, Colegiados, Sindicatos, Entidades Estudantis e Consepe - deve ser feita com extrema cautela, pautando-se sempre na defesa da educação pública, gratuita, laica, socialmente referenciada, inclusiva, emancipatória e de qualidade.

 

Itapetinga, Jequié e Vitória da Conquista, 05 de julho de 2020.

DIRETORIA DA ADUSB

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