Especial coronavírus: Entrevista com Andréa Gomes e Fabiany Cruz

Mesmo com um enorme contingenciamento orçamentário, docentes da UESB continuam a fortalecer a universidade pública, que possui papel fundamental para o enfrentamento ao coronavírus. Convidamos as professoras Andréa Gomes e Fabiany Cruz para trazerem a experiência do projeto “Produção de antissépticos para o combate à COVID-19”, que tem fabricado álcool para doações em Itapetinga e região. Andréa Gomes faz parte do Departamento de Tecnologia Rural e Animal da UESB e é doutora em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos. Fabiany Cruz é do Departamento de Ciências Exatas e Naturais da UESB e doutora em Química.

1. Vocês participam de um projeto que tem fabricado álcool 70% glicerinado para doação à comunidade e ao SUS. Como funciona? E qual a sua importância para a região?

Iniciamos o projeto de extensão “Produção de antissépticos para o combate à COVID-19” para fabricação de álcool glicerinado a 70% e sabonete líquido glicerinado, importantes higienizadores para assepsia das mãos.

Diante do cenário nacional, com a política ultraneoliberal do governo de Jair Bolsonaro, que envolve a retirada de direitos da população, encolhimento/extinção de políticas públicas e avanço do projeto de estado mínimo, mostrou-se uma situação temerária e que agravaria o cenário da pandemia.

O município de Itapetinga conta com uma estrutura de saúde que atende a uma microrregião, com as limitações do SUS precarizado, realidade que não difere das cidades interioranas do país. As incertezas no posicionamento dos gestores municipais, aliado ao cenário nacional, impulsionou a criação de grupo, usando o aplicativo Whatsapp, com o objetivo solidário de apoiar a população itapetinguense no combate à disseminação da COVID-19, com ações diretas e técnico-científicas, uma vez que não há tratamento, nem vacina eficazes.

No dia 27 de março de 2020, quando o primeiro caso de COVID-19 foi registrado na cidade, evoluindo para óbito, foi criado o HUB – Itapetinga SOS COVID-19. Esse grupo de solidariedade foi formado por professores, técnicos e estudantes da UESB e IFBaiano, juntamente com empresas privadas, profissionais liberais e sociedade civil, com o objetivo de agregar e organizar pessoas interessadas em oferecer serviços solidários à população para enfrentar a crise da COVID-19 em várias frentes.

A ideia inicial era adaptar o Laboratório de Tecnologia de Produtos de Origem Vegetal – LTPOV, campus de Itapetinga, que possui equipamentos industriais e que puderam ser adaptados para fabricação dos itens de higiene, contando com a infraestrutura física e alguns insumos da UESB, para funcionar como planta de processamento.

A equipe conta com 5 professoras/es, um pesquisador, três técnicos e três estudantes. A professora Andréa Gomes é a coordenadora da planta piloto e a professora Fabiany Cruz, registrada no CRQ, a responsável técnica dos produtos. Essa equipe organizou a adequação do espaço físico, solicitação de visita da vigilância sanitária estadual, estruturação de protocolos e procedimentos para produção (segundo orientações da OMS e Farmacopeia Brasileira), criação e registro de rotulagem obrigatória. Criaram os procedimentos operacionais padronizados – POP, procedimento padrão de higiene operacional –PPHO, leiaute da planta piloto, fluxos de produção e o treinamento da equipe. O laboratório de Análise de Alimentos, coordenado pela professora Cristiane Patrícia de Oliveira, sofreu um rearranjo para que pudesse receber os produtos acabados armazenados até a distribuição.

Nesse ínterim, entramos em contato com a usina AGROVALE, localizada em Juazeiro-BA (800 km de Itapetinga), solicitando a doação de álcool para transformação em líquido glicerinado ou em gel, ambos a 70%. Ao mesmo tempo, a Associação dos Produtores de Cachaça e Derivados (APC-ITA), por meio do Centro de Estudos e Ação Social – CEAS, contatou a equipe na busca de parceria para produção de álcool antisséptico, a partir da produção da cachaça de alambique orgânica, do resíduo chamado de “cabeça da cachaça”, processado para alcançar o teor de 75 a 79 ºGL. Foi estabelecido um termo de cooperação entre a UESB e o CEAS, por meio da Pró-Reitoria de Extensão. Em ambas as parcerias (HUB e APC-ITA) os objetivos eram semelhantes: distribuir gratuitamente para a classe trabalhadora, população em vulnerabilidade, profissionais da linha de frente no combate à pandemia, como os servidores públicos da saúde, educação e segurança. Vale ressaltar, entre a idealização, o planejamento e a produção, tudo ocorreu num prazo menor que 20 dias.

O álcool produzido a partir da fabricação da cachaça foi batizado de “álcool floral da cachaça”, devido aos aromas incorporados no processo de fabricação da bebida. A APC-ITA e o CEAS são os responsáveis por distribuir o álcool floral, em embalagem de 500 ml, para as cidades de Itarantim-BA, algumas cidades de Minas Gerais, movimentos sociais e periferias de Salvador.

O álcool etílico a 70 % glicerinado e o sabonete líquido glicerinado produzidos em parceria com o HUB-Itapetinga foram distribuídos nos 13 postos de saúde da família (PSF), barreiras sanitárias sob o comando do Tiro de Guerra, posto da Polícia Rodoviária de Itapetinga, Complexo Policial da Polícia Civil; Batalhão da Polícia Militar 8ª CIPM, Cemitério Municipal, Hospital Cristo Redentor, Unidade de Pronto Atendimento - UPA, APAE, Organizadores do Mercado Solidário e parceiros solidários: Lojas MIB, Café da Gente, UESB campi de Vitória da Conquista e de Jequié e ADUSB S. Sind. Estamos em fase de distribuição para outras unidades como: Lar de Idosos Laura de Carvalho, trabalhadores/as uberizados/as e comunidades quilombolas.

Além dos 1000 litros doados pela AGROVALE, recebemos mais 1000 litros de doação de álcool da Usina Santa Maria em Medeiros Neto, intermediada pelo Conselho Regional de Química. Contamos com a infraestrutura de transporte da UESB para logística desse material. Temos uma perspectiva de produção de mais de 4000 litros ao longo dos meses de maio, junho e julho.

Num momento de escassez de saneantes, a iniciativa do projeto, beneficiou o município no combate à pandemia por localizar suas ações de forma estratégica para impedir a disseminação do vírus e proteger as pessoas, sobretudo os que estão em maior vulnerabilidade. Foram beneficiários diretos as várias unidades de saúde, segurança pública e privada, educação, associações e outros serviços essenciais.

2. Qual tem sido o papel das universidades públicas no combate ao coronavírus?
As instituições de ensino superior públicas – IES, tem como premissa a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A situação de pandemia requer a união de todas as entidades sociais no enfrentamento. Nesse sentido as Universidades dispõem de recursos humanos capacitados, estrutura física, laboratorial (mesmo que precarizadas) que podem emergencialmente reforçar as ações.

Além de um conjunto de ações, que passam por pesquisa básica, que envolvem estudos de ciências humanas e sociais, desenvolvimento tecnológico, produção de insumos, ações extensionistas, solidariedade e responsabilidade social, concentraram-se nos últimos meses para enfrentamento da pandemia.


3. Em algumas universidades brasileiras já foram desenvolvidas tecnologias importantes relacionadas ao controle da pandemia. A UESB também tem desenvolvido atividades neste sentido. Na avaliação de vocês, o que seria necessário para que a UESB avançasse mais no atendimento das demandas sociais?

É notório o projeto de sucateamento do ensino superior público e cerceamento da autonomia universitária como uma forma de precarização e privatização das IES, perpetrado pelo governador do Estado da Bahia. Por outro lado, a UESB pode avançar como agente transformador, valorizando as ações extensionistas tanto quanto as ações de ensino e pesquisa para promoção de uma educação inclusiva e promotora das transformações sociais.