Dívida pública cresce sem contrapartida em investimentos

Quase todos os brasileiros creem que os empréstimos que geram a dívida pública são utilizados para melhorias sociais. Não é bem assim que acontece. Quando governos (federal e estaduais) tentam vender a Reforma da Previdência como algo “bom”, é importante entender a sua relação com o Sistema da Dívida.

O Tribunal de Contas da União declarou, no último mês de junho, em audiência pública no Senado Federal, que “zero da dívida pública foi para investimentos”. A razão dessa má notícia é a utilização do endividamento público às avessas: no lugar de financiar os investimentos para a população, o montante vira mecanismo de transferência de recursos públicos - principalmente - para bancos.

Na exposição de motivos da proposta de Emenda Constitucional - PEC 6/2019 (a Reforma da Previdência), o Ministro da Economia Paulo Guedes chegou a reconhecer que existe um nó fiscal que amarra o crescimento econômico sustentável brasileiro. No entanto, ele erra ao dizer que esse nó fiscal tem uma raiz em despesas previdenciárias. E persiste no equívoco ao afirmar que enquanto nos recusarmos a enfrentar esse desafio previdenciário a dívida pública subiria implacavelmente, asfixiando a economia.

No período de 2000 a 2017, segundo o TCU, a dívida aumentou R$ 3 trilhões, por conta da apropriação de juros. Não houve nenhuma aplicação destes recursos diretamente na rubrica de investimentos, através do orçamento federal. Cerca de R$ 450 bilhões (15%) foram utilizados para custear despesas de investimento, contudo, por via indireta, através de títulos emitidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES.

Segundo o ponto de vista da fundadora e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida - movimento que atua em prol da transparência nas finanças públicas - Maria Lúcia Fattorelli, não é a previdência que tem feito a dívida crescer. Ela tem crescido por causa dos diversos mecanismos financeiros que geram a dívida pública, sem contrapartida alguma ao país ou a sociedade.

O Orçamento Federal para 2019, ficou no montante de R$ 3,262 trilhões. Dentre as despesas, está a dívida pública, que consome cerca de 44% de todo o orçamento: R$ 1,425 trilhão. Já os gastos com servidores públicos, somando ativos e aposentados, chega a R$ 350,4 bilhões (11%), deixando bem claro que não são eles que estariam pesando nas contas públicas. A Previdência Social – INSS, tem previsão ficar em torno dos R$ 625 bilhões (19%), bem menos da metade do que será gasto com a dívida. Mesmo com tantas necessidades dentro de um país tão grande como Brasil, o valor destinado a investimentos efetivos é de apenas R$ 36 bilhões (1%). Com uma soma rápida, a conclusão já indica que o rombo das contas públicas está ligado diretamente com os gastos financeiros com a chamada dívida pública e não nas despesas com pessoal ou Previdência.

Para operar, o Sistema da Dívida conta com um conjunto de engrenagens articuladas compostas por privilégios financeiros legais, políticos, econômicos, apoio da grande mídia, além de determinante influência dos organismos financeiros internacionais: FMI, Banco Mundial e BIS - o banco central dos bancos centrais. Ou seja, são lançadas medidas que só favorecem bancos.

Fattorelli diz que “o que provocou a crise aqui no Brasil foi essa política monetária, e ninguém olha para ela. Ela não é ensinada nas escolas. Enquanto estavam todos os jornais todo dia dando notícias de Lava Jato, de impeachment da Dilma, o BC estava fazendo essa política, que transferiu um valor brutal de recursos para o setor financeiro”. Dentre os mecanismos que geram dívida, sem contrapartida alguma, cabe destacar aplicação de mecanismos meramente financeiros tais como: taxa de juros abusivas com atualização monetária automática e cumulativa da dívida, refinanciamentos que empacotam e transformam dívidas privadas em dívidas públicas, esquemas de salvamento dos bancos, mecanismo de política monetária insana - como a remuneração da sobra de caixa dos bancos a juros estratosféricos e contratos que garantem a variação de Dólar para privilegiados sigilosos, conhecido por swap cambial. É esse endividamento que onera o orçamento público. E, apesar de serem gerados por esses mecanismos tortuosos, governos responsabilizam “gastos excessivos” em investimentos sociais para justificar privatizações e Reformas como a Trabalhista ou da Previdência.

“As medidas são totalmente contrárias aos interesses coletivos, e visam retirar recursos públicos para destiná-los ao sistema da dívida. Beneficiando, principalmente, o mesmo setor financeiro cujos lucros batem recordes a cada ano”, pondera a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Maria Lúcia Fattorelli. Apesar desse grave problema ter sido detectado e denunciado desde 2010, até hoje nada foi feito sobre esse grave erro, que tem sobrecarregado as contas públicas de forma inconstitucional. “Deveríamos utilizar o sistema tributário como uma ferramenta de distribuição de renda e riqueza, no combate à desigualdade social e pobreza, e não como um instrumento de desvio de mais recursos públicos para alimentar o mercado financeiro já demasiadamente priorizado”, aponta Fatorelli.

Para combater e acabar com esses mecanismos de desvio de recursos públicos, o ANDES-SN defende uma auditoria cidadã e independente da dívida pública, algo previsto na Constituição Federal, mas que tem sido negado por sucessivos governos.

Saiba mais no site da Auditoria Cidadã da Dívida Pública

https://auditoriacidada.org.br