O que parecia ser apenas um desentendimento entre artistas, quando o cantor sertanejo José Neto criticou a cantora Anitta, tem revelado um esquema muito mais complexo envolvendo prefeituras pelo país, shows sertanejos milionários e o governo Bolsonaro.
Tudo começou com o discurso do cantor Zé Neto durante um show na cidade de Sorriso (MT), no dia 12 de maio, em que ironizou uma tatuagem feita por Anitta e acusou a cantora de depender da Lei Rouanet, reproduzindo o discurso bolsonarista contra a lei nacional de fomento cultural.
A crítica incomodou os fãs da cantora que, nas redes sociais, reagiram e passaram a questionar Zé Neto por atacar a Lei Rouanet, repetindo falsos argumentos bolsonaristas, mas fazendo shows em pequenos municípios do país à custa de cachês exorbitantes pagos com dinheiro público.
Prefeituras e os shows sertanejos
O show da dupla Zé Neto e Cristiano, no município de Sorriso, por exemplo, custou R$ 400 mil. Mas o caso é apenas o “fio da meada”, como diz o ditado popular.
A Lei Rouanet autoriza produtores a buscar investimento privado para financiar atividades culturais. Os projetos têm de atender vários critérios e passam por avaliação da Secretaria Especial de Cultura. Caso seja aprovado, o autor tem permissão para buscar financiamento privado e concretizar o projeto. A doação ou patrocínio poderá, posteriormente, ser abatida parcial ou integralmente do Imposto de Renda.
Já o esquema que envolve as prefeituras e show sertanejos é bem mais complexo e questionável, sem que haja qualquer tipo de controle ou fiscalização, os cachês são pagos em valores exorbitantes com verba pública.
Além de Zé Neto, outros cantores sertanejos tiveram os nomes envolvidos no caso como Sérgio Reis e Gusttavo Lima que, aliás, teve os maiores cachês revelados até agora: R$ 800 mil para cantar em São Luiz, cidade de Roraima, com 8 mil habitantes, sendo 32% em extrema pobreza; R$ 1 milhão em Magé (RJ) e R$ 1,2 milhão em Conceição do Mato Dentro (MG), cidade com 17 mil habitantes.
As três prefeituras estão na mira de Ministérios Públicos estaduais. Nas redes sociais, a hastag #CPIdoSertanejo tem estado entre os assuntos mais comentados.
Orçamento secreto e “PIX orçamentário”
Nesta terça-feira (31), o jornal O Estado de São Paulo publicou a denúncia sobre a “emenda PIX”, mecanismo aprovado em 2020 pelo Congresso, que destinará R$ 3,2 bilhões para prefeituras em pleno ano eleitoral (lei aqui a matéria na íntegra). Segundo o jornal, os recursos começam a cair na conta das prefeituras a partir desta quarta-feira (1°) e poderão bancar ações que vão desde show de artistas até a compra de bens públicos, como tratores e caminhões de lixo (que são objeto de outro escândalo no governo de Bolsonaro. Leia: Bolsolão do Lixo: o novo escândalo de corrupção no governo).
Conhecido como “Pix orçamentário” ou “cheque em branco”, o mecanismo ganhou esses apelidos, pois o dinheiro cai direto na conta das prefeituras e não é passível de fiscalização por órgãos de controle.
Segundo o Estadão, enquanto uma emenda tradicional leva até cinco anos para ser paga, pela exigência de análises técnicas, a “emenda Pix” é repassada em até 90 dias. No total, 444 deputados e 58 senadores optaram por enviar dinheiro por essa modalidade para suas bases eleitorais. A maioria dos deputados (60%) é da base do governo Bolsonaro.
A relação da “emenda Pix” com o esquema shows sertanejos e prefeituras é que, segundo apurou o jornal, essa é uma das formas para financiar shows em pleno ano eleitoral.
O pré-candidato ao Palácio do Planalto, o deputado André Janones (Avante-MG), por exemplo, usou essa modalidade para destinar R$ 7 milhões para Ituiutaba (MG), sua cidade natal, a cerca de 600 quilômetros de Belo Horizonte. Segundo o Estadão, uma parte do dinheiro, R$ 1,9 milhão, vai bancar uma festa com o cantor Gusttavo Lima e outros artistas uma semana antes da eleição.
A emenda de Janones também vai patrocinar as duplas Zezé di Camargo e Luciano, João Neto e Frederico, João Bosco e Vinícius e a cantora gospel Fernanda Brum no mesmo evento, entre os dias 15 e 25 de setembro.
Assim como o Orçamento Secreto, que permite ao relator do Orçamento definir o repasse de recursos sem fiscalização e tem sido usado pelo governo Bolsonaro como moeda de troca por apoio no Congresso, o “Pix orçamentário” também virou farra.
Esses são apenas uns dos exemplos para onde está indo o dinheiro público.
CSP-Conlutas com informações: Estadão e G1