
Desde 2015, docentes da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) enfrentam uma longa batalha pelo restabelecimento do adicional de insalubridade, benefício cortado de forma considerada arbitrária pelo governo do estado. Docentes que ingressaram na universidade após 2015, ou, em alguns casos, antes, também tem suas solicitações de adicional de insalubridade indeferidas ou não respondidas. A Associação de Docentes da Uesb (Adusb) tem sido a principal entidade mobilizadora na luta pela reparação desse direito trabalhista. Mais do que uma questão financeira, o caso revela as tensões entre gestão pública e condições de trabalho no ensino superior baiano.
O que é o adicional de insalubridade
O adicional de insalubridade é um direito garantido aos trabalhadores que exercem suas atividades em condições que colocam em risco a saúde, como contato com agentes químicos, biológicos ou físicos. Esse direito está previsto no Estatuto dos Servidores Públicos Civis da Bahia (Lei nº 6.677/1994), nos artigos 86 a 88, e regulamentado pelo Decreto nº 16.529/2016, que segue as normas do Ministério do Trabalho (NR 15 e NR 16).
No caso dos/as docentes da Uesb, muitos/as atuam em laboratórios, clínicas ou atividades de campo com exposição a substâncias ou agentes considerados insalubres, sendo, portanto, elegíveis ao benefício. Os direitos e deveres relacionados ao adicional de insalubridade para servidores/as públicos/as estaduais, incluindo as/os docentes universitários/as, estão delineados no Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia, instituído pela Lei nº 6.677 de 26 de setembro de 1994.
De acordo com o Artigo 86 do estatuto:
- Servidores/as que trabalham habitualmente em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas ou em condições de risco de vida têm direito a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo.
- O direito a esses adicionais cessa com a eliminação das condições ou dos riscos que justificaram sua concessão.
- Caso o/a servidor/a tenha direito aos adicionais de insalubridade e periculosidade, deverá optar por um deles.
O Artigo 87 estabelece:
- Deve haver controle permanente das atividades dos servidores em operações ou locais considerados insalubres, perigosos ou penosos.
- Servidoras gestantes ou lactantes devem ser afastadas dessas operações e locais enquanto durar a gestação e a lactação, sendo realocadas para atividades em ambientes salubres e não perigosos.
O Artigo 88 indica que:
- Na concessão dos adicionais de insalubridade, periculosidade ou atividades penosas, devem ser observadas as situações previstas em legislação específica.
Além disso, o Decreto nº 16.529 de 10 de março de 2016 regulamenta a concessão desses adicionais, estabelecendo que:
- Os adicionais de insalubridade e periculosidade serão concedidos com base na legislação vigente e nas Normas Regulamentadoras nº 15 e 16 do Ministério do Trabalho e Emprego.
- O/a servidor/a fará jus ao adicional de insalubridade quando comprovado o trabalho em condições insalubres, de forma habitual e contínua, nos seguintes percentuais: 20% para exercício em local insalubre; 30% para atividade considerada insalubre; e 40% para atividade insalubre exercida em unidade de infectologia.
Sobre a perícia, o Decreto dispõe, no artigo 7º, que:
- Caberá à Junta Médica Oficial do Estado, com base na legislação vigente, emitir Laudo Médico Pericial de Concessão dos adicionais de insalubridade e periculosidade, atestando o exercício em condições insalubres ou periculosas de trabalho e estabelecendo o percentual a ser concedido ao servidor, com base nos arts. 2º e 3º deste Decreto.
- O processo de apuração da insalubridade ou periculosidade deve ser instruído, com informações detalhadas das atividades desenvolvidas pelo servidor, em razão do cargo ou função para o qual foi nomeado, bem assim com informações do respectivo ambiente de trabalho, devendo ser firmadas pelo dirigente máximo do órgão ou da entidade de lotação do servidor, podendo tal atribuição ser delegada em ato específico.
- A apuração das condições de insalubridade e periculosidade nas unidades poderá ocorrer mediante a emissão de Laudo Técnico de Identificação dos Riscos Ambientais, desde que homologado pela Junta Médica, compreendendo a identificação dos riscos, avaliação e proposição de medidas de controle dos mesmos, originados dos seus diversos setores.
- Na hipótese de o/a servidor, já afastado do vínculo funcional ou transferido do local de trabalho, ter protocolado solicitação de pagamento de adicional, quando ainda em atividade, a Junta Médica poderá informar se as condições de trabalho do/a servidor/a eram insalubres ou periculosas, tomando como referência outro servidor/a ativo da mesma unidade e local de trabalho que exerça atividades idênticas, com posterior encaminhamento ao órgão jurídico para análise.
Histórico do corte desde 2015
Em novembro de 2015, o governo estadual da Bahia, à época sob a gestão de Rui Costa (PT), realizou o corte arbitrário do adicional de insalubridade dos/as docentes das quatro universidades estaduais baianas. A decisão foi tomada sem comunicação prévia, sem abertura de processo administrativo e sem garantir o direito à ampla defesa e contraditório.
A justificativa oficial do governo não foi claramente publicizada, mas o corte afetou diretamente as remunerações de muitas/os docentes e teve impactos negativos na valorização e nas condições de trabalho da categoria.
Em 2017, mesmo com o envio de documentação para análise da Junta Médica do Estado, os pedidos de restabelecimento foram negados. A exigência de laudos atualizados e as negativas sistemáticas dificultaram o reconhecimento do direito por parte do Estado.
Outras situações recorrentes vêm acontecendo em relação a cortes e instauração do direito, como, por exemplo, (i) docentes que pedem transferência de campus e têm o adicional cortado, (ii) docentes que entraram após 2015, pediram adicional e não recebem resposta (nem positiva sem negativa).
A resposta da ADUSB
Ao longo do tempo, a ADUSB tem se mobilizado de maneira contínua e multifacetada, com vitórias parciais sobre o tema. As ações envolveram frentes jurídicas, políticas e de mobilização social. Entre as principais medidas estão:
2015
- Ingressou com dois mandados de segurança coletivos para reverter o corte ilegal e arbitrário feito por Rui Costa.
- O primeiro, de nº 0025900-48.2015.8.05.0000, tramitou sem recurso do governo e levou ao reestabelecimento do adicional.
- O segundo, nº 0025896-11.2015.8.05.0000, foi extinto sob o argumento de que o corte foi feito pela reitoria e não pelo estado.
- Realizou atos públicos, assembleias e mobilizações internas.
2016 a 2022
- Enviou ofícios à procuradoria jurídica da UESB e manteve diálogo com a reitoria exigindo a reintegração do adicional.
- Realizou diversas reuniões com a categoria, especialmente com os docentes afetados, prestando orientações sobre ações judiciais individuais e coletivas.
- Continuou acompanhando judicialmente os mandados de segurança e casos individuais.
2023 e 2024
- Em março de 2023, organizou reunião online com a assessoria jurídica para orientar docentes sobre o ingresso em ações judiciais individuais, com prazo para entrega de documentos até abril.
- Em maio de 2023, reuniu-se com a reitoria da Uesb que informou ter solicitado à Secretaria de Administração do Estado o restabelecimento do benefício para 29 docentes. O pedido foi negado pela Junta Médica do Estado, que exigiu laudos periciais.
- Em 2023, a Adusb decidiu então ingressar com novo Mandado de Segurança Coletivo, que não foi aceito pelo TJ-BA como argumento de que se tratava de uma questão antiga.
- Durante o ano de 2024, nas mesas de negociação, o governo do estado informou diversas vezes que uma nova normativa estava em construção, a qual o movimento docente continua cobrando.
2025
- Em março, a 1ª Vara da Fazenda Pública de Jequié reconheceu a ilegalidade do corte de 2015 e determinou a restituição do adicional, com efeitos retroativos, a um docente. A decisão é de primeira instância e ainda cabe recurso do governo. Outras/os docentes também tiveram ilegalidade do corte reconhecida em situações posteriores a 2015, como transferência de campus.
- No mesmo mês, a ADUSB convocou novas reuniões com a assessoria jurídica nos três campi da UESB (Itapetinga, Jequié e Vitória da Conquista) para reorganizar a luta e orientar novos ingressos de ações.
- Ao convocar reuniões para discutir o assunto, a diretoria do sindicato reitera que o adicional de insalubridade continua sendo prioridade nas pautas interna e externa de reivindicações da entidade em 2025.
Nas reuniões realizadas, foi encaminhado que a abertura de novas ações jurídicas ficará condicionada à avaliação das ações jurídicas já em andamento.
Outro encaminhamento importante foi relacionado aos pedidos administrativos de pagamento de adicional de insalubridade. Diante do resultado do último mandado de segurança, ficou definido que os pedidos mais antigos, que não foram feitos por meio do SEI, deverão ser refeitos nessa plataforma. Isso se deve ao fato de que há solicitações feitas desde 2006, quando a legislação vigente era diferente da atual, o que exige atualização dos trâmites.
Para agilizar os atendimentos nos plantões jurídicos, os/as docentes devem solicitar previamente às secretarias da Adusb, por e-mail, a atualização das informações sobre seus processos relacionados ao adicional de insalubridade. A medida está alinhada com a recomendação de padronização dos processos pelo SEI.
O que está em jogo
Mais do que um direito financeiro, o adicional de insalubridade representa o reconhecimento das condições de trabalho das/os docentes. O corte em 2015 revelou a fragilidade dos direitos mesmo daqueles que atuam em instituições públicas de ensino superior. O silêncio administrativo e a morosidade judicial contrastam com a firme atuação sindical da Adusb, que não cessou os esforços mesmo diante da complexidade do caso.
Além disso, a luta pelo adicional de insalubridade se articula com outras pautas mais amplas do movimento docente, como a valorização do trabalho intelectual, a defesa da universidade pública e a denúncia das políticas de precarização do serviço público na Bahia.
Ter adicional de insalubridade não desobriga o fornecimento de EPIs
A Adusb reforça que o pagamento do adicional de insalubridade não isenta o governo do estado e a universidade da obrigação de fornecer, na totalidade, os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários e adequados para a realização das atividades laborais. Independentemente de receberem ou não o adicional, docentes têm o direito de se recusar a realizar qualquer atividade caso a universidade não ofereça os EPIs exigidos para garantir sua segurança e saúde.
Próximos passos e alerta a golpes
A Adusb segue monitorando os desdobramentos judiciais e prepara novos ingressos de ações conforme a situação de cada docente. Também alerta os filiados sobre a ocorrência de golpes: a assessoria jurídica do sindicato não solicita pagamentos diretos. Em caso de dúvidas, as/os docentes devem procurar as sedes da Adusb ou os plantões jurídicos.
Alerta de golpes
Com o aumento das ações, golpistas passaram a entrar em contato com docentes, se apresentando como representantes da Adusb ou da Assessoria Jurídica, solicitando o pagamento de valores, sob a alegação de que haveria valores a receber. A Adusb reitera que a Assessoria Jurídica não entra em contato com sindicalizados/as para solicitar pagamentos de qualquer valor referentes a ações jurídicas. A Diretoria alerta as/os docentes para que não façam nenhum tipo de pagamento referente a ações jurídicas, sem antes entrar em contato, pessoalmente, com as secretarias da Adusb ou o assessor jurídico.
Para saber mais:
Governo da Bahia corta insalubridade de forma ilegal
Luta contra o corte do adicional de insalubridade
Campanha “Insalubridade é direito!”
Insalubridade: Estado nega restabelecimento mesmo com documentação
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