Inclusão digital na UESB: Ninguém ficará para trás?

O Plano Emergencial de Inclusão Digital e Acessibilidade para implantação do ensino remoto na UESB foi concluído e está pronto para apreciação do Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão (CONSEPE) nos dias 26 e 27 de agosto. A proposta foi apresentada na reunião da Reitoria do Campus desta quinta-feira (21), mas gera preocupação, pois é possível que não atenda a todos que necessitam de auxílio. Dessa forma, as aulas podem voltar na UESB com estudantes ficando para trás.

O retorno das atividades de ensino da graduação na modalidade remota foi aprovado pelo CONSEPE no dia 9 de julho. A decisão foi tomada sem a indicação de onde viriam os recursos para capacitação profissional, infraestrutura e implementação de programa de inclusão digital e acessibilidade.

De acordo com Alexandre Galvão, vice-presidente da Adusb, durante a reunião ampliada da Adusb, do dia 3 de julho, “a categoria se mostrou extremamente apreensiva sobre os caminhos que poderiam ser tomados numa possível adoção do ensino remoto na UESB. Muitos docentes estavam preocupados com a situação dos estudantes sem acesso à internet e aos equipamentos e se serão ofertadas as condições necessárias para os estudantes com deficiência. Somos uma universidade pública, temos o papel social da inclusão e ninguém pode ficar para trás”.

Sobre a decisão do CONSEPE relacionada à adoção do ensino remoto, o coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão do Diretório Central dos Estudantes (DCE), campus Vitória da Conquista, Fernando de Souza Neto, afirmou que “querer aprovar um método de ensino novo sem primeiro apresentar as condições orçamentarias, pedagógicas e institucionais que viabilizem todo esse processo é simplesmente assinar um cheque em branco e esperar que tudo dê certo”.

Inclusão digital

Uma pesquisa foi realizada pela Pró-Reitoria de Graduação da UESB para averiguar as demandas da universidade relacionadas ao ensino remoto. A partir dos dados coletados é possível estimar que, dentre os estudantes matriculados em 2019, 2.155 estudantes não possuem acesso adequado à internet em suas casas e 2.258 estudantes não têm equipamento necessário para acompanhar aulas remotas.

A minuta do programa de inclusão digital e acessibilidade elaborado pela Comissão Executiva I do CONSEPE prevê a oferta de 1.600 bolsas em quatro parcelas de R$ 50 para serviço de internet e 1.000 bolsas no valor de R$ 800 para aquisição de equipamento. Estudantes moradores de localidades sem sinal de internet poderão concorrer ao auxílio transporte. Serão 65 bolsas de R$ 60, por quatro meses, para residências a 60 km ou mais de distância de município com internet e 65 bolsas de R$ 40 para distâncias inferiores a 60 km.

Conheça na íntegra o programa.

O quantitativo total de bolsas atenderá os discentes dos três campi da UESB. O mesmo estudante pode acumular mais de uma modalidade, desde que atenda aos requisitos exigidos. O edital de seleção contará com um barema que levará em consideração questões como vulnerabilidade social, deficiência, local de moradia, dentre outras. “Infelizmente, entendo que essa proposta de edital tende a não cobrir a demanda que vem por aí”, lamenta Fernando.

A partir da análise dos dados da pesquisa da PROGRAD e do total de estudantes matriculados no semestre letivo 2019.2, a proposta apresentada pode deixar cerca de 555 sem acesso à internet em seu local de moradia e 1.250 sem os equipamentos necessários para as atividades remotas, não levando em conta o acúmulo de auxílios pela mesma pessoa. A perspetiva de discentes ficarem de fora do programa de inclusão digital parece ser aceita e naturalizada, pois serão disponibilizados computadores dos laboratórios da UESB, desde que aprovado pelo Comitê Emergencial de Crise. De acordo com o documento do CONSEPE “terão prioridade os alunos que concorreram ao edital de inclusão digital, mas não foram contemplados com auxílios”.

Tanto o financiamento de locomoção para obter sinal de internet, quanto o oferecimento de computadores nos laboratórios da universidade requerem que estes estudantes saiam de suas casas e, na maioria dos casos, utilizem transporte público, ambiente altamente propício à contaminação do coronavírus.

Qualidade da internet x Ensino Remoto

Outra discussão fundamental é em relação à qualidade da internet. O fato do estudante ter um plano e um equipamento para acessar a internet, não significa ter condições de acompanhar aulas remotas. Em planos de dados móveis mais baratos, na faixa de preço da ajuda de custo proposta, de R$ 50,00, as operadoras fazem convênios com aplicativos de mensagem ou redes sociais para oferecer franquias diferenciadas nesses acessos. Mas, a franquia de dados geral do plano, que se aplica no acesso às plataformas de aprendizagem virtual da Uesb, em geral são limitadas e baixas, da ordem de 10GB. Em alguns casos, há até limitação de horário. Segundo o site TechTudo, uma conferência pelo Google Meet, consome 3GB por hora. Uma conta simples demonstra a inviabilidade de se usar um plano desses para acompanhar aulas remotas, já que a franquia mensal se esgotaria em menos de uma semana.

Acessibilidade e saúde mental

Como ações para atender os 89 estudantes com deficiência atualmente matriculados na UESB foram pensadas: a contratação de 20 profissionais especializados em educação especial, convocação de quatro monitores e 10 tutores. Capacitação dos profissionais para o ensino remoto, oficinas de formação e ações para acessibilidade às tecnologias a serem utilizadas estão previstas. Além disso, o oferecimento de oito notebooks aos estudantes com deficiência que não possuem equipamento para as aulas.

O momento de pandemia tem afetado de forma incisiva a saúde mental dos discentes, especialmente os que se encontram em vulnerabilidade socioeconômica. Segundo informações do Centro Acadêmico de Psicologia, 180 estudantes estão sendo atendidos pelo Núcleo de Psicologia da UESB. Para prestar assistência psicológica serão contratados estagiários do curso de psicologia, que serão supervisionados por professores da área.

Financiamento incerto

As ações de inclusão digital, acessibilidade e saúde mental estão orçadas em cerca de R$ 1,4 milhão, dos quais R$ 1,1 milhão fazem parte do orçamento da UESB e R$ 300 mil provindos de emendas parlamentares. Apesar disso, segundo informações divulgadas pela Comissão Executiva I, somente 67% da verba interna do mês de setembro estão liberados. Os recursos das emendas foram solicitados à Secretaria da Fazenda (SEFAZ), mas o documento não informa se ou quando serão liberados. Os recursos necessários para os próximos meses ainda serão solicitados à SEFAZ.

“Esperamos que o governo Rui Costa realmente honre com o repasse dos recursos previstos, pois a UESB enfrenta graves problemas de contingenciamento desde muito antes da pandemia. Em junho cerca de 50% das verbas de manutenção, investimento e custeio não chegaram à universidade. O Estado pressiona a universidade para adotar o ensino remoto, o mínimo que deve fazer é oferecer as condições financeiras para isso”, afirma Alexandre Galvão.

Ensino remoto na avaliação dos estudantes

Na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) foi criado um período letivo extraordinário na modalidade remota ao invés da retomada do semestre interrompido antes da pandemia. A coordenadora geral do DCE UEFS Vivian Alves criticou a adoção do ensino remoto na universidade, pois além de não ter sido debatido de forma adequada, reforça a naturalização da educação à distância, modalidade de ensino defendida amplamente pelo presidente Jair Bolsonaro como forma de reduzir custos. 

“O governador Rui Costa segue a mesma lógica de sucateamento, através da histórica retirada de autonomia das UEBAs, com contingenciamento de verbas, responsável pelo desestímulo à ciência, pelas precárias condições de assistência estudantil e por outros ataques que afetam diretamente o funcionamento das universidades. O ensino remoto emergencial desconsidera a sobrecarga pela qual passam discentes, docentes e técnicos no processo de reestruturação do cotidiano que a quarentena está exigindo, comprometendo a qualidade da vida. Está claro que o incentivo à modalidade parte de interesses neoliberais que possuem um fiel compromisso com o avanço do processo de mercantilização da educação”, alerta Vivian.

A Universidade de São Paulo (USP) também adotou o ensino remoto emergencial por conta da pandemia. O DCE Livre da USP realizou uma pesquisa com mais de 6,7 mil estudantes, que revelou que 65,6% dos participantes sentem dificuldades para estudar e 16,5% não estão conseguindo estudar. Apenas 5,1% consideram sua produtividade nas disciplinas como ótima, 38% pensam que terão alteração em sua média para pior e 42,9% não souberam responder. Sobre saúde física e mental durante a pandemia, 20% dos respondentes apontaram condições péssimas e apenas 4% ótimas.

Segundo o Fernando, representante do DCE UESB, “a realidade/necessidade de muitos alunos, principalmente os das licenciaturas, implicará em sérias dificuldades na volta às aulas. Isso tudo só escancara o que o DCE e os centros acadêmicos cansaram de alertar antes e durante o CONSEPE que aprovou a retomada do semestre 2019.2, via ensino remoto. Posso lhe garantir que os estudantes estão preocupados com o acesso tecnológico dos colegas em situação de vulnerabilidade social e com a qualidade do ensino, uma vez que nos matriculamos em uma universidade pública de qualidade para o ensino presencial e não para assistir aulas pelo computador”.

Viviam Alves acredita que a adesão ao ensino remoto para os estudantes está relacionada com diversos fatores para além das questões tecnológicas, pois “para as mães que estudam e trabalham, por exemplo, o ensino remoto emergencial representa mais uma fonte de sobrecarga neste período de isolamento social, pois várias estudantes estão precisando lidar com suspensão das atividades presenciais nas creches /escolas dos seus filhos e com a concentração de tarefas domésticas. Entre tantas demandas, o que já é difícil no presencial, torna-se ainda mais desgastante nas péssimas condições da modalidade”.

Adusb com informações do CONSEPE, DCE UESB, DCE UEFS, DCE Livre da USP e Tech Tudo