Apagões, privatizações e Reforma Administrativa: A lógica do mercado
Foto: Brasil de Fato

Desde 3 de novembro a população do Amapá enfrenta apagões e dificuldades na distribuição de energia elétrica no Estado. Perda e aumento no preço de produtos, falta de água potável e dificuldade no atendimento médico atingem mais de 750 mil amapaenses.  A situação retoma o debate público sobre as privatizações - já que a empresa responsável pela manutenção do equipamento cuja queima causou o problema não é estatal - e o papel dos serviços públicos, especialmente diante da tramitação da Reforma Administrativa no Congresso Nacional. 

Tragédia anunciada

A distribuição de energia elétrica no Amapá é de responsabilidade da Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), que integra a Gemini Energy, empresa multinacional. Muito antes do incêndio na subestação que deixou o Amapá no escuro, a LMTE já estava ciente da fragilidade da sua oferta de serviços no Estado.

Em ofício à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em 7 de abril de 2020, publicado pelo The Intercept Brasil, a LMTE visava “notificar preocupação e resguardar o direito da concessionária em relação a possíveis efeitos, inclusive penalidades e/ou redução de receitas, decorrentes de eventos que não sejam possíveis evitar ou impedir, e que causem eventuais falhas e/ou atrasos na prestação do serviço público”.

“Inicialmente se anunciou que teria sido um raio que teria atingido a subestação, mas as investigações iniciais já dão conta que na verdade não teve acidente natural. Não foi um raio. Foi na verdade a sobrecarga do sistema e a insuficiência de manutenção dos equipamentos. Um dos transformadores que deveria estar como reserva, estava há quase um ano em manutenção”, conta André Guimarães, professor da Universidade Federal do Amapá e pós-doutorando na UESB.

A LMTE há anos opera com problemas em outros Estados e já foi inclusive penalizada pela ANEEL. Segundo informações do The Intercept Brasil, no Pará “a empresa foi multada em quase R$ 460 mil em outubro de 2019 por ‘operar ou manter as instalações de energia elétrica e os respectivos equipamentos de forma inadequada’”. Em anos anteriores foram registrados diversos problemas, mas a ANEEL não tomou medidas enérgicas para resolver de forma definitiva a situação. A postura conivente de agências reguladoras aos interesses de empresas privatizadas não são novidade no Brasil, visto as tragédias de rompimento de barragens nos municípios de Mariana e Brumadinho.

Quem sofre é a população

Já são mais de 15 dias desde o primeiro apagão, mas o fornecimento de energia elétrica ainda não foi regularizado. A empresa estatal Eletronorte, parte da Eletrobras, foi designada a socorrer a população. A distribuição, no entanto, ainda está ocorrendo em rodízio.

A perda de alimentos é uma das principais dificuldades enfrentadas pelos amapaenses, especialmente a população em vulnerabilidade social. Os apagões também se desdobram em diversos outros problemas. André relata que na primeira semana eram “filas quilométricas em postos de gasolina, pois muitos postos não funcionavam por não ter energia para o funcionamento das bombas. Filas em supermercados e mercantis em busca de água potável, pois nos dias iniciais também ficamos sem água encanada. Em muitos locais ainda hoje falta água encanada, pois as bombas de abastecimento onde funciona a captação de água também foram afetadas pela falta de energia”. O aumento abusivo de preços em produtos também foi identificado, inclusive de água potável. O professor conta que um galão de água de 20 litros chegou a ser vendido por R$ 25.

A falta de energia da mesma forma tem impactado na saúde da população, principalmente devido à falta de água encanada. Já foi constatado inclusive o crescimento do aumento de casos de infecções e diarreias, especialmente em crianças.

Privatizar é a solução?

Em meio a toda esta crise, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a anunciar no dia 10 de novembro que pretende privatizar a Eletrobras, Correios e outras empresas estatais até o final de 2021. O Ministro é um fervoroso defensor da Reforma Administrativa. Também já fez declarações controversas sobre os serviços e servidores públicos. A mais polêmica foi a comparação entre servidores com parasitas.

“As privatizações e o ataque aos servidores públicos são duas faces do projeto do governo Bolsonaro. A ideia é sucatear as empresas públicas via corte de investimento e atacar os servidores de modo que a população pense que o melhor é privatizar o serviço público. Mas, os dados mostram que com as privatizações as tarifas cobradas pelos serviços sobem e a qualidade tende a piorar. Veja o caso do fornecimento de energia no Amapá ou de água em São Paulo. Apesar disso, o governo federal aposta nas privatizações porque sabe que a promessa de vender as empresas estatais faz brilhar os olhos dos empresários”, afirma Marcos Tavares, 1º vice-presidente eleito da Regional NE III do ANDES-SN.

Os dados da pesquisa realizada em 2017 pela Transnational Institute confirmam o apontado. De 2000 a 2017, 884 reestatizações foram realizadas em diversas partes do mundo, como Estados Unidos, Japão e Argentina. O processo se dá porque para prestar um serviço de qualidade, sem que ocorram catástrofes como a que acontece no Amapá, são necessários massivos investimentos em infraestrutura, o que reduz a expectativa de lucro das empresas.

André Guimarães explica que a lógica empresarial transforma a energia elétrica em mercadoria, “sua utilidade é medida pela valorização do mercado e não pela função social que possa ocupar. Como o abastecimento da energia gerada pelo Amapá continua servindo ao grande capital fora do Estado, a energia continua sendo levada para a grande indústria fora do Estado, não há o que resolver de forma imediata. Pouco importa que quase 800 mil brasileiros estejam sofrendo com a falta de energia elétrica. Pouco importa que muitas pessoas estejam perdendo seus alimentos, que muitos estejam morrendo pela falta de atendimento médico com a falta de energia elétrica no Amapá”.

“Lembro que entre 2001 e 2002, governo FHC, em função da falta de investimento e das privatizações no setor, o Brasil sofreu com o ‘apagão’ energético. O qual só foi solucionado no governo seguinte através de investimento público, especialmente na geração e transmissão de energia. Agora, se o governo Bolsonaro privatizar a Eletrobras será política de terra arrasada”, critica Marcos Tavares.

E o que a Reforma Administrativa tem a ver com isso?

A Reforma Administrativa (PEC 32/2020) pretende desestruturar os serviços públicos, com a criação de novas modalidades de ingresso para além dos concursos, fim da estabilidade dos servidores, dentre outros ataques. O objetivo alardeado pelo governo federal é extinguir “privilégios” dos servidores e “enxugar a máquina pública”. A ideia é convencer a população brasileira que os servidores públicos possuem mais direitos que os demais trabalhadores e são um investimento desnecessário ao país. O passo seguinte, após a deslegitimação dos serviços públicos, é a defesa desenfreada das privatizações.

Para André Guimarães “a lógica da Reforma Administrativa é exatamente a aproximação ainda maior dos serviços públicos à lógica do mercado. E a lógica do mercado não nos serve. A lógica do mercado é a do lucro. E quando os interesses sociais não estão alinhados a essa lógica do lucro, os interesses sociais serão penalizados”.

Na avaliação de Marcos Tavares, a situação do Amapá ilustra bem a relação entre os serviços públicos e a concepção apontada por André, já que o problema dos apagões “se encontra na distribuidora de energia que é uma empresa privada. A solução vem se dando via socorro e/ou intervenção da Eletrobras, empresa estatal. A empresa privada só pensou no retorno do capital, no lucro, agora o Estado vai ter que resolver o problema por meio de investimento via empresa estatal. A defesa do serviço público é a defesa de uma forma de sociabilidade mais inclusiva e promotora de condições de vida dignas para todos com acesso a água, energia, educação, saúde, lazer, moradia, entre outras coisas”.

Solidariedade

Para o diretor de comunicação da Adusb, Sérgio Barroso, devemos manifestar "a nossa solidariedade às trabalhadoras e aos trabalhadores do estado do Amapá que estão sendo vítimas desse conjunto de atos irresponsáveis, tanto do governo Bolsonaro, quanto das empresas privadas envolvidas na causa do problema. Precisamos denunciar o absurdo dessa lógica do liberalismo econômico que coloca os interesses do lucro acima dos interesses sociais da população".

Neste sentido, CSP-Conlutas, ANDES-SN e outras entidades organizam campanha de solidariedade às famílias do Amapá. A Adusb apoia a luta que a população amapaense tem construído diariamente em seus protestos contra o descaso dos governos e convida professoras e professores da UESB a fazerem doações de qualquer valor à campanha.

Banco do Brasil

Sâmela Ramos

CPF: 852288262-20

Agência: 130-9

Conta corrente: 180000-0

Os comprovantes devem ser encaminhados para o whatsapp da ADUFPA (91) 98883 0818.

 

Com informações do The Intercept Brasil, Brasil de Fato, UOL, ANDES-SN e CSP-Conlutas

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