Reforma Administrativa: Governo, Congresso e imprensa contra os servidores públicos

A finalização do texto da Reforma Administrativa foi anunciada pelo vice-presidente Hamilton Mourão nesta quinta-feira (13). O projeto pretende reduzir salários iniciais e número de carreiras, mudar regras para estabilidade, dentre outros ataques aos servidores e ao serviço público federal, estadual e municipal. O governo aguarda posição de Bolsonaro sobre o envio do projeto este ano ou adiamento para 2021, após as eleições municipais. Entretanto deputados pressionam para que o presidente encaminhe a Reforma Administrativa para debate no Congresso Nacional em conjunto com a Reforma Tributária. Enquanto isso, imprensa, governo e Congresso tentam enganar a população com o discurso de que servidores públicos são “privilegiados”, quase sempre apresentando dados distorcidos ou utilizando-se de “estudos” no mínimo controversos.

Diversos veículos de imprensa tem utilizado dados do Instituto Millenium para justificar a suposta necessidade da Reforma Administrativa e criticar servidores públicos. Apesar de se afirmar “plural”, o conteúdo produzido pelo Instituto é completamente orientado à defesa do pensamento neoliberal no Brasil, sendo utilizado para difundir ideias e influenciar nas decisões políticas, como ocorre agora na defesa da Reforma Administrativa. Um de seus fundadores é o próprio Ministro da Economia, Paulo Guedes.

Não é coincidência que este Instituto tenha difundido largamente nos últimos dias que o Brasil gasta R$ 928 bilhões ao ano com a folha dos servidores públicos, representando 13,7% do PIB, e que a diferença salarial na mesma função entre o serviço público e iniciativa privada é de até 90%. A informação é contestada por outros estudos. A ideia é convencer a população brasileira que os servidores públicos possuem privilégios e são um investimento desnecessário ao país. Nas palavras do próprio Guedes, “parasitas”.

Diferença salarial

Um levantamento independente feito pela Revista Piauí, a partir de dados do Banco Mundial e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostra que a diferença salarial média entre salários em funções similares no serviço público e na iniciativa privada é de 8%, muito abaixo da média mundial de 21% e bem inferior ao número apresentado pelo Instituto Millenium.

Sérgio Barroso, diretor de comunicação da Adusb destaca que “mesmo esse número de 8% precisa ser avaliado com cuidado. Enquanto algumas pouquíssimas carreiras possuem uma média salarial muito alta, com muitas vantagens, o que leva essa média para cima, a realidade da maioria dos servidores é de salários abaixo dessa média”.

Assim, os “supersalários” que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, diz querer extinguir não são realidade para a maioria esgamagadora do funcionalismo. De acordo com o Atlas do Estado Brasileiro, metade do conjunto dos servidores públicos (federais, estaduais e municipais) ganhava até três salários mínimos em 2018 e apenas 3% mais de 20 salários mínimos. Barroso destaca também que “além disso, o fato de um determinado profissional ter salário maior no serviço público, não significa necessariamente que ganhe demais. O mais provável é que o setor privado esteja pagando muito mal”. 

O uso do PIB

As informações do Atlas do Estado Brasileiro contestam também a  interpretação dada pelo Instituto Millenium no que se refere ao uso do PIB com a folha do funcionalismo público. “A despesa dos ocupados ativos no governo geral [união, estados e municípios] foi, portanto, de 9,6%, em 2006, para 10,5% do PIB, em 2017. Este crescimento observado de 0.9% do PIB, colocado na perspectiva da significativa expansão das políticas de bem-estar do Estado brasileiro, da ampliação de suas funções e população atendidas pode ser considerada uma expansão modesta ou, pelo menos, mais tímida do que a alardeada expansão descontrolada de gastos com o setor público”, afirma o documento.

A informação do  Instituto Millenium busca induzir a ideia de que há muitos servidores públicos no Brasil, contudo, um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que, em 2015, os servidores públicos eram 12% do total de trabalhadores do país. No estudo, o Brasil está bem abaixo da média mundial de 21% e de países que são conhecidos pela qualidade do serviços públicos prestados à população, como a Noruega e a Dinamarca, ambas com 35%. Esses dados demonstram que, em estudos dessa natureza, não basta simplesmente apresentar a relação com o PIB, como faz o  Instituto Millenium.

Por outro lado, no ano passado, o mesmo governo que diz querer otimizar os gastos públicos e investir no atendimento à população, utilizou mais de R$ 1 trilhão, ou seja 38,2% do PIB, em pagamento da dívida pública, conforme aponta a Auditoria Cidadã da Dívida. Esses recursos são repassados para banqueiros e empresários do capital financeiro, sem qualquer retorno social para a população.

Os reais interesses da Reforma Administrativa

Dentre as propostas do projeto estão a alteração das regras para os atuais servidores e o fim delas aos novos servidores. Contratações temporárias sem concursos públicos, além de redução de carreiras e salários, também fazem parte do pacote.  

Com a aplicação destas mudanças, os governos poderão a seu próprio critério, que muitas vezes passam por razões eleitoreiras e retirar mais direitos dos servidores públicos. A situação pode implicar em contratações de pessoal sem a qualificação necessária para desempenhar determinadas funções, além de impedir a divulgação de informações ou realização de ações de interesse público, que contrariam posições dos governos.

O interesse em enxugar a folha de pagamento não passa pela melhoria dos serviços públicos, já que são os servidores quem os fazem chegar até a população. A perspectiva do governo Bolsonaro é a da cartilha da Universidade de Chicago, responsável pela formação de Paulo Guedes, é a política do Estado mínimo, a implementação até as últimas vias do projeto neoliberal no Brasil. Significa ampliar ao máximo possível o saque do capital privado ao fundo público, o que passa necessariamente pelo desmonte e privatização dos serviços públicos.

“É um engano pensar que o governo Bolsonaro não se dá conta do impacto devastador que a Reforma Administrativa traria à população. Ao contrário, eles estão totalmente conscientes de que isso poderá levar milhares de pessoas a condições de vida ainda mais precárias ou mesmo até a morte, já que o SUS, a assistência social e outras atividades essenciais fazem parte dos serviços públicos. Mas é como o presidente já disse antes ‘e daí?’, o que realmente importa para eles é sempre o quanto se pode lucrar com a vida, é somente ‘se safar’”, critica Soraya Adorno, presidente da Adusb.

Veja os vídeos da Adusb sobre a Reforma Trabalhista e os servidores públicos

Em defesa da taxação das grandes fortunas

Servidores públicos estão na linha de frente no combate ao coronavírus

Somos todos parasitas

Adusb com informações do Atlas do Estado Brasileiro, Revista Piauí, Nexo Jornal, Estadão, Folha de São Paulo, Revista Fórum e OCDE.