O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou nesta quinta-feira (17) os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018. O Brasil que surge do levantamento tem um recorte social brutal, de gênero, raça e classe.
A pesquisa revela que, de cada dez famílias brasileiras, quatro não têm acesso regular e permanente a uma quantidade suficiente de comida diariamente. Pelo levantamento, quase 85 milhões de brasileiros tiveram algum tipo de dificuldade para se alimentar, sendo que 10 milhões relataram passar fome.
Neste quadro dramático, lares chefiados por mulheres e negros passam mais fome. Os dados mostram ainda um alto índice de insegurança alimentar em áreas rurais e por regiões, o Norte e o Nordeste são as mais penalizadas.
O mapa da fome
Dos 68,9 milhões de domicílios do país, 36,7%, o equivalente a 25,3 milhões de lares, apresentaram algum grau de insegurança alimentar: leve (24%, ou 16,4 milhões), moderada (8,1%, ou 5,6 milhões) ou grave (4,6%, ou 3,1 milhões).
Em números de pessoas, isso significa que 84,9 milhões de brasileiros tiveram algum tipo de dificuldade para se alimentar, sendo: 56 milhões em domicílios com insegurança alimentar leve, 18,6 milhões em domicílios com insegurança alimentar moderada e 10,3 milhões de pessoas residentes em domicílios com insegurança alimentar grave.
Os classificados com insegurança alimentar grave são aqueles que relataram passar fome. Dos 10,3 milhões moradores nessa classificação, 7,7 milhões estão na área urbana e 2,6 milhões na rural.
O nível de maior restrição no acesso a esses alimentos também aparece com mais frequência nos domicílios localizados na área rural do Brasil. A proporção de insegurança alimentar grave foi de 7,1% nessas localidades, três pontos percentuais acima do observado na área urbana (4,1%).
Na comparação com 2013, a última vez em que o tema foi investigado pelo IBGE, na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a prevalência de insegurança quanto ao acesso aos alimentos aumentou 62,4% nos lares do Brasil. A insegurança vinha diminuindo ao longo dos anos, desde 2004, quando aparecia em 34,9% dos lares, 30,2% na PNAD 2009 e 22,6% na PNAD 2013. Mas em 2017-2018, houve uma piora, subindo para 36,7%. Com isso, a segurança alimentar atingiu seu patamar mais baixo (63,3%) desde a primeira vez em que os dados foram levantados. Já a insegurança alimentar leve atingiu seu ponto mais elevado.
Mulheres e negros
Mais da metade dos domicílios com insegurança alimentar grave são chefiados por mulheres. O homem é a pessoa de referência em 61,4% dos domicílios em situação de segurança alimentar. Já nos domicílios em condição de insegurança alimentar grave predominam as mulheres (51,9%).
Na análise por cor ou raça, os domicílios em que a pessoa de referência era autodeclarada parda representavam 36,9% daqueles com segurança alimentar, mas ficaram acima de 50% para todos os níveis de insegurança alimentar (50,7% para leve, 56,6% para moderada e 58,1% para grave). Já em 15,8% do total de domicílios com insegurança alimentar grave, a pessoa de referência era autodeclarada preta. Nos domicílios com segurança alimentar, esse percentual é 10%.
Segundo o gerente da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, André Martins, o aumento da insegurança alimentar está relacionado, entre outros motivos, à desaceleração da atividade econômica nos anos de 2017 e 2018. O crescimento do desemprego e a piora nas condições de vida da população se refletiram nas geladeiras, sobretudo, das famílias de menor renda.
É neste país, marcado pela desigualdade social e por uma fome que tem raça, gênero e classe que governos, em vez de adotarem políticas públicas de geração de emprego e renda, adotam políticas ultraliberais que arrancam direitos dos trabalhadores, aumentam a informalidade e a precariedade no mercado de trabalho e restringem gastos sociais como a Emenda Constitucional 95 aprovada por Temer, e defendida atualmente por Bolsonaro, que congelou os investimentos públicos por 20 anos.
Saiba mais:
De acordo com a Escala Brasileira de Medida Direta e Domiciliar da Insegurança Alimentar, a segurança alimentar está garantida quando a família tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.
Na insegurança alimentar leve, há preocupação ou incerteza quanto acesso aos alimentos no futuro e qualidade inadequada dos alimentos resultante de estratégias que visam a não comprometer a quantidade de alimentos.
Na moderada, há redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos.
Na insegurança alimentar grave, há redução quantitativa severa de alimentos também entre as crianças, ou seja, ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio.
CSP-Conlutas com informações: IBGE e Agência Brasil