PEC 186 estava no Congresso desde 2019, mas foi votada em dois dias no Senado após governo condicionar a concessão do auxílio emergencial à aprovação de ataques aos servidores
O Senado concluiu em dois dias a votação do relatório do senador Marcio Bittar (MDB-AC) para a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186 – conhecida como PEC Emergencial. Na terça-feira, Bittar apresentou um novo parecer, após forte pressão popular contra a proposta que acabava com os pisos constitucionais para investimentos em saúde e educação. Os senadores iniciaram as discussões na quarta (3) e encerraram a votação, em dois turnos, nesta quinta (4). O texto segue para apreciação da Câmara.
Embora o artigo sobre o repasse de recursos para saúde e educação, o texto aprovado no Senado ainda mantém diversos ataques aos serviços públicos e à população. Além disso, vincula a liberação do auxílio emergencial para 2021, fora dos limites do teto de gastos do Orçamento e do limite de endividamento da União, à aprovação das medidas de ajuste fiscal.
Conforme aprovado pelos senadores, o programa de auxílio à população será financiado com créditos extraordinários, que não são limitados pela Emenda Constitucional 95. Logo, as despesas com o programa não serão contabilizadas para a meta de resultado fiscal primário e também não serão afetadas pela chamada regra de ouro — mecanismo que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, de custeio da máquina pública.
Os senadores impuseram um limite de R$ 44 bilhões para o programa de auxílio emergencial. Com isso, segundo parlamentares, o valor do auxílio à parcela mais pobre da população deve ser reduzido para cerca de R$ 150,00.
“Apesar de ter sido retirado da PEC a medida que desvinculava o piso para saúde e educação, fato esse ocorrido em virtude do protesto de amplas entidades do setor e da sociedade organizada, a PEC 186 continua sendo um instrumento de ataque aos direitos dos servidores públicos da União, estados e municípios. Esse projeto funciona como um profundo ajuste fiscal que ataca direitos sociais, possibilita que os governos possam congelar salários e direitos quando as despesas correntes cheguem ao limite de 95%. Para além desse grave ataque, a PEC permite inserir no gasto de pessoal os custos com aposentadoria e pensão, gerando facilidades para a cláusula do desequilíbrio fiscal e, portanto, agindo contra o conjunto do funcionalismo”, explica Milton Pinheiro, 1º vice-presidente do ANDES-SN.
O diretor do Sindicato Nacional ressalta ainda a necessidade de mobilização contrária à proposta e também pela revogação da Emenda Constitucional 95, que impôs o teto de gastos limitando investimentos em políticas públicas, como Saúde, Educação e outras políticas sociais de auxílio à população.
“Essa PEC representa uma chantagem política sobre trabalhadoras e trabalhadores públicos, pois condiciona a execução dessas medidas como ponto fulcral para estabelecer o auxílio emergencial para uma população muito pobre e em condições de penúria social. Nossa luta deve continuar contra essa PEC e a EC 95”, conclama Milton Pinheiro.
Ataque aos servidores e desmonte dos serviços públicos
A oposição tentou desvincular a aprovação do auxílio emergencial, necessária e urgente, dos ataques exigidos como contrapartida pelo governo. No entanto, todas as tentativas de retirar do texto as medidas de desmonte foram derrotadas.
Com isso, a PEC Emergencial aprovada no Senado prevê gatilhos que congelam salários, promoções, abonos e outros direitos e benefícios dos servidores públicos, investimentos e concursos públicos, por exemplo.
Na esfera federal, todas as vezes em que a relação entre as despesas obrigatórias sujeitas ao teto de gastos (Emenda Constitucional 95) e as despesas totais supere 95%, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o Ministério Público deverão vedar reajuste de salário para o funcionalismo, realização de concursos públicos, criação de despesas obrigatórias e lançamento de linhas de financiamento ou renegociação de dívidas.
Os estados e municípios estão sujeitos à mesma regra dos 95%, porém apenas de forma facultativa. No caso desses entes da federação, também será possível acionar as medidas de contenção de gastos quando a relação entre despesas correntes e receitas correntes atingir 85%. Nesse caso, a implementação dependerá apenas de atos do Executivo, com vigência imediata.
A proposta também traz a previsão de diminuir incentivos e benefícios tributários existentes. Segundo o texto, o presidente da República deverá apresentar, em até seis meses após a promulgação da emenda constitucional, um plano de redução gradual desse tipo de benefício. São feitas exceções a programas como o Simples, o subsídio a produtos da cesta básica e a Zona Franca de Manaus, a produtos da cesta básica e o financiamento estudantil para alunos do ensino superior.
De acordo o texto votado, será permitido o uso do superávit financeiro de fundos públicos para amortizar a dívida pública de União, estados e municípios. Se não houver dívida a ser paga, o recurso poderá ser aplicado livremente.
Calamidade pública
A partir da promulgação da PEC Emergencial, a Constituição passará a contar com um regime orçamentário excepcional para situações de calamidade pública — como é o caso da pandemia. Segundo o texto, durante a vigência do estado de calamidade, a União deve adotar regras extraordinárias de política fiscal e financeira e de contratações para atender às necessidades do país, mas somente quando a urgência for incompatível com o regime regular.
As proposições legislativas e os atos do Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas ficam dispensados de observar várias limitações legais, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado. Entre as regras que ficam suspensas está a proibição de concessão ou ampliação de benefício tributário que gere renúncia de receita. Também estão suspensos os limites e condições para contratação de operações de crédito. O regime extraordinário também permitirá a adoção de contratação simplificada de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras.
O superávit financeiro apurado em 31 de dezembro do ano anterior poderá ser destinado à cobertura de despesas com medidas de combate à calamidade pública, além do pagamento da dívida pública. Durante a vigência da calamidade pública, ficará também suspensa a proibição de que pessoas jurídicas em débito com o sistema de seguridade social assinem contratos com o poder público.
A PEC prevê, ainda, que uma lei complementar poderá definir outras suspensões, dispensas e afastamentos aplicáveis durante a vigência da calamidade pública. A decretação do estado de calamidade pública, que vai disparar o regime extraordinário, passa a ser uma atribuição exclusiva do Congresso Nacional, a partir de proposta do Executivo.
Desvinculação de receitas
A PEC também muda regras para vinculação de receitas, liberando fatias do Orçamento que hoje são destinadas exclusivamente a certas áreas. Atualmente, a Constituição proíbe a vinculação de receitas tributárias, com algumas exceções. A proposta mexe nessa estrutura, estendendo a proibição para todos os tipos de receita e expandindo as exceções, por exemplo para a vinculação de receitas para serviços de administração tributária — que passa a ser proibida.
Outros pontos da PEC
- Inclui os gastos com pessoal inativo e pensionistas no teto de despesa dos Legislativos municipais. Atualmente, esse teto inclui os subsídios dos vereadores, mas exclui gastos com inativos. A despesa não pode ultrapassar o somatório da receita tributária e das transferências constitucionais.
- Inclui os pensionistas entre as despesas com pessoal que não podem exceder os limites estabelecidos em lei complementar. Atualmente, a Constituição prevê apenas que a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos estados, do DF e dos municípios não pode ultrapassar esse limite, sem mencionar os pensionistas.
- Inclui no artigo constitucional que trata da administração pública a determinação de que órgãos e entidades façam, individual ou conjuntamente, uma avaliação das políticas públicas e divulguem os resultados.
- Veda a transferência a fundos de recursos oriundos dos repasses feitos aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, os chamados repasses duodecimais. Se houver sobra de recursos, ela deve ser restituída ao caixa único do Tesouro do ente federativo ou será deduzida das próximas parcelas de repasse.
- Inclui na lei a previsão de uma lei complementar para regulamentar a sustentabilidade da dívida pública. Essa lei deverá especificar indicadores de apuração; níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida; trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos em legislação; medidas de ajuste, suspensões e vedações; e planejamento de alienação de ativos com vistas à redução do montante da dívida. A lei poderá autorizar ações de ajuste fiscal em caso de crise nas contas públicas. União, estados, Distrito Federal e municípios também deverão conduzir suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis que assegurem sua sustentabilidade, conforme a ser estabelecido pela lei complementar.
- Modifica o texto constitucional que trata da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para determinar que cabe a LDO estabelecer as diretrizes de política fiscal e respectivas metas, em consonância com trajetória sustentável da dívida pública. Inclui um parágrafo para determinar que as leis de que trata o artigo 165 da Constituição (Plano Plurinual, LDO e Lei Orçamentária Anual) devem observar os resultados do monitoramento e da avaliação das políticas públicas.
- Estende de 2024 para 2029 o prazo para que estados e municípios paguem seus precatórios.
Tramitação
Houve acordo no Senado para que o rito de votação e tramitação da PEC fosse acelerado, o que permitiu com que fosse votada em dois dias. Como a proposta altera a Constituição, deve passar também por votação em dois turnos na Câmara para ser aprovada.
Resistência
O ANDES-SN, em conjunto com diversas entidades representativas dos servidores públicos e movimentos sociais, tem se posicionado contra a proposta e pressionado parlamentares a votarem contra a PEC 186, que faz parte do pacote da Reforma Administrativa do governo Bolsonaro, coordenada pelo ministro Paulo Guedes.
As entidades realizaram uma série de manifestações nas redes sociais e seguem atuando junto aos parlamentares na perspectiva retirar do texto os ataques aos serviços e servidores públicos. Cobram também a desvinculação da concessão do auxílio emergencial à população da aprovação de mecanismos que contribuirão para o desmonte dos serviços públicos.
O Sindicato Nacional convoca todas e todos a enviar mensagens aos deputados e deputadas de seus estados exigindo que votem apenas pela aprovação do auxílio emergencial e sejam contra os ataques aos servidores públicos.
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ANDES-SN com informações da Agência Senado