Tiros, caveirões pelas ruas, explosões de granadas, invasões de casas, confiscos de celulares, corpos e sangue no chão. Total desespero dos moradores do Jacarezinho, favela da zona norte do Rio. A ação das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro nesta quinta-feira (6) transformou-se numa verdadeira chacina. Ao todo, 25 pessoas mortas. Vinte e cinco! Dessas, 24 são civis e um era policial.
As cenas de horror revelam uma cruel chacina policial que já é considerada a maior cometida na capital carioca.
A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) denunciou em suas redes sociais que foram tiradas fotos de um dos mortos na operação em uma posição humilhante.
“Recebemos a denúncia de que, depois da operação no Jacarezinho nesta manhã, um corpo de uma pessoa negra foi colocado numa cadeira com um dos dedos na boca para a população ver. Isso é BARBÁRIE! Não há palavras para descrever essa situação. Respeitem a favela e a decisão do STF!”, indignou-se.
Ao G1, um morador afirmou que durante a perseguição de criminosos e policiais, duas pessoas foram mortas na casa onde viviam com a avó. “Respeito com os moradores, nunca tem. Isso é uma população, mas acho que eles pensam que estão no Iraque”, lamentou.
Integrantes do coletivo Mães de Manguinhos, formado por familiares de pessoas mortas pela polícia no RJ, descrevem também ao G1 “o horror” vivido na comunidade. “Tem muita gente morta”, diz uma representante, que teme ser identificada. “As famílias estão todas desesperadas, tentando chegar perto dos corpos, e os policiais não deixam”, relata outra mulher, também pedindo anonimato.
Desde junho do ano passado, em decorrência da pandemia, o STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou a suspensão de operações em favelas na ação denominada ADPF 635 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). As operações só poderiam ocorrer em “hipóteses absolutamente excepcionais” e com o aval do Ministério Público.
A Polícia Civil alegou, em nota, que o que chamou de “operação contra o crime organizado” foi comunicada ao Ministério Público.
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ) e a ouvidoria da Defensoria Pública do Estado vão acompanhar o caso.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Mônica Cunha, também classificou como uma chacina a operação policial.
“As pessoas têm vida dentro da favela, mas a vida não teve como funcionar. A única coisa que funcionou foi uma chacina, várias pessoas mortas, sendo um policial morto. Um absurdo e qual é o saldo disso? Pessoas mortas e luto. Hoje é no Jacarezinho, ontem foi na Maré, anteontem foi na Cidade de Deus e assim vai”, afirmou.
O integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas Júlio Condaque, que integra o Quilombo Raça e Classe no Rio de Janeiro, lamenta que no meio de uma situação caótica como a pandemia, os moradores das favelas não parem de sofrer perseguições. “Não é dada a possibilidade de um dia a dia comum, viver assim é triste, é um inferno”, afirma.
Julio responsabiliza o governador Cláudio Castro pela ação. “A culpa é do governador Cláudio Castro. Além de adotar uma política que facilita as mortes por covid-19 nas favelas, as pessoas estão sofrendo um genocídio comandado por esse governador e sua PM assassina e racista”, revolta-se.
A CSP-Conlutas manifesta total solidariedade aos moradores do Jacarezinho e reafirma a necessidade da luta de organizar os de baixo para derrubar o de cima. “Só assim viveremos sem sermos assassinados pelo Estado”, reforçou Condaque.