Os casos são cotidianos e somente às vezes chegam às manchetes na imprensa. Negras ou negros que foram alvo de ataques racistas nas redes sociais; que foram discriminados na escola, no futebol ou ao entrar em um banco, shopping ou supermercado; que não conseguem um emprego ou foram demitidos por discriminação racial; que foram abordados violentamente, esculachados ou mortos em operações policiais. Esses são apenas alguns exemplos de racismo absurdamente presentes no dia a dia de negras e negros no Brasil.
Nesta quinta-feira (18), o Senado Federal aprovou um projeto de lei que diretamente tem a ver com essa realidade. O PL 4.3737/20 tipifica a injúria racial como crime de racismo. De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) e relatado pelo senador Romário (PL-RJ), o projeto também aumenta a pena para o crime. O texto seguirá agora para a análise da Câmara dos Deputados.
O projeto retira a menção à raça e etnia do item específico do Código Penal (art. 140) e insere novo artigo na Lei de Crimes Raciais (lei 7.716 de 1989), definindo pena de multa e prisão de dois a cinco anos. O projeto cita injúria por “raça, cor, etnia ou procedência nacional”. Hoje, o Código Penal prevê pena de um a três anos de cadeia, além da multa.
Na prática, o texto incorpora ao Direito Penal o que o STF (Supremo Tribunal Federal), tribunais e juízes em todo o Brasil já vêm decidindo no último período: a injúria racial é crime de racismo e como tal deve ser tratada, em todos os seus aspectos processuais e penais.
O objetivo do projeto é impedir que haja qualquer dúvida de que a prática é inafiançável e imprescritível e garantir segurança jurídica para o julgamento desses casos. O argumento é de que a injúria racial não estaria plenamente equiparada aos delitos definidos no Código Penal, que, por definição constitucional, são imprescritíveis e inafiançáveis. Por essa razão, acrescenta o autor, o racismo praticado como se fosse injúria pode ser desclassificado e beneficiado com a fiança, com a prescrição e até mesmo com a suspensão condicional da pena.
Decisão importante, mas insuficiente
Segundo dados do Anuário de Segurança Brasileiro de Segurança Pública de 2020, o Brasil registrou um aumento de 24,3% nos registros de crimes raciais. Foram 11.467 denúncias, em 2019, contra 9.110 casos no ano anterior. Dados reconhecidamente subnotificados segundo especialistas, já que a maioria das situações de racismo não são denunciadas.
Para a integrante da direção nacional do movimento Quilombo Raça e Classe Wellingta Macedo, a decisão é importante, mas ainda muito limitada.
“Se avança no reconhecimento de que racismo é crime, o que é importante. Mas limitada, porque sabemos que não dá para confiar na Justiça que é uma instituição burguesa e também racista, cujas decisões em sua maioria também discriminam, punem e encarceram a população negra”, afirmou.
Wellingta destacou que o combate ao racismo precisa se dar através da luta de negras e negros contra o sistema capitalista, o responsável pela escravização de milhões de negras e negros durante séculos e que desde então utiliza essa forma de opressão para aumentar a exploração e garantir lucros.
“O racismo que vivenciamos, negras e negros, há séculos, é resultado da escravidão, seguida de uma falsa abolição que manteve o povo negros às margens da sociedade, sem trabalho, sem educação, sem moradia e sob violência. Por isso nossa luta não se restringe a medidas no âmbito jurídico e muito menos à saídas individuais que pregam o empoderamento negro, por exemplo. É uma luta para destruir esse sistema que se alimenta do racismo para existir”, concluiu.
Painel na RCN defendeu que é preciso “luta de raça e classe contra o capitalismo”
O Setorial de Negras e Negros realizou na última reunião da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas um painel sobre a opressão racista que se aprofunda no atual momento de crise capitalista, as lutas antirracistas que sacodiram o mundo no último período e a necessidade de uma luta de raça e classe para derrotar esse sistema.
Maristela Farias lembrou que o 20 de Novembro – Dia da Consciência Negra – marca o assassinato de Zumbi e simboliza a luta histórica do povo negro contra a opressão e exploração imposta pelo capitalismo. Destacou que a luta contra o racismo só pode ser feita de forma consequente com uma perspectiva de raça e classe, numa luta conjunta por toda a classe trabalhadora. “Num país onde cerca de 60% população é negra, enegrecer e aquilombar nossas pautas e lutas de forma permanente é uma necessidade”, disse.
O dirigente do Sindicato dos Metroviários do RJ Elias Alfredo e Júlio Condaque, do Quilombo Raça e Classe do RJ, resgataram o ascenso antirracista que varreu vários países no último período, citando as lutas massivas nos EUA, principalmente após o assassinato de George Floyd asfixiado pela polícia e o movimento Black Lives Matter que trouxe consequências para a derrota de Trump; e ainda os protestos ocorridos no Brasil no ano passado, quando o trabalhador negro Beto foi morto em uma loja do Carrefour em Porto Alegre; a luta contra o governo genocida e racista de Bolsonaro, além de outros episódios, como a chacina na favela do Jacarezinho (RJ).
Não foi esquecido que os trabalhadores, a maioria negros e negras, foram empurrados para o “abate” ao serem obrigados a trabalhar e se locomover em transportes lotados mesmo quando a pandemia estava no auge e a contaminação e mortes pela Covid-19 apresentavam índices altíssimos.
Ana Gori, do Sindsef-SP e do Quilombo Raça e Classe, Viviane Souza, dirigente do Sindicato dos Servidores Municipais de Araripina e do QRC de Pernambuco, Ana Célia Siqueira Ferreira, do QRC no Rio Grande do Norte e Wellingta Macedo, da direção nacional do QRC, também fizeram falas que destacaram outros aspectos da realidade de negras e negros no pais, marcada pela desigualdade, discriminação e violência, fruto de mais de 380 anos de escravidão e uma falsa abolição, sem reparações.
Situações como o aumento da fome e da miséria no país, em que a cena de famílias garimpando lixos e restos de ossos para buscar comida é uma das mais emblemáticas no último período, foram lembradas pelos expositores do painel, que ressaltaram que é uma realidade que atinge majoritariamente o povo negro. É a população negra e pobre que também será prejudicada com a Reforma Administrativa (PEC 32) do governo de Bolsonaro, em tramitação no Congresso, pois se trata da destruição dos serviços públicos no país.
Sem esquecer de denunciar o mito da democracia racial, desmascarado de vez em meio à crise capitalista e à pandemia, os ativistas do Setorial de Negras e Negros da Central também criticaram as saídas reformistas e pós-modernas existentes no movimento e que tentam cooptar a luta antirracista.
Ao encerrar o painel, Maristela Farias e Júlio Condaque reforçaram a necessidade de ser compreender a luta contra o racismo como de raça e classe, uma luta a ser feita de forma unitária por toda a classe trabalhadora. Que a tarefa é enegrecer nossas pautas e lutas não somente neste mês do Novembro Negro, mas de forma permanentemente.
Por fim, foi reafirmado que neste 20 de novembro vamos às ruas com as palavras de ordem “Aquilombar as lutas com raça e classe! Pela vida, direitos, emprego, comida, saúde e educação! Greve Geral, já! Não voltaremos às senzalas e nem aos porões da ditadura! Fora Sérgio Camargo! Palmares não é lugar de capitão do mato! Fora Bolsonaro e Mourão, já!
CSP-Conlutas