Governo aprova PEC dos Precatórios que dá calote de R$ 850 bi em aposentados e outros. PT vota a favor
O líder do governo Fernando Bezerra (MDB) e o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

O plenário do Senado aprovou nesta quinta-feira (2), em dois turnos de votação, a PEC dos Precatórios, também conhecida como a PEC do Calote. A medida abre no Orçamento de 2022, em pleno ano eleitoral, um espaço fiscal para o governo Bolsonaro, estimado em R$ 106 bilhões, para o pagamento do Auxílio Brasil.

Os recursos foram viabilizados por meio de duas manobras. A PEC muda o período de cálculo da inflação que define o Teto de Gastos, o que ampliou o limite de despesas liberadas ao governo, e também cria um limite para o pagamento de precatórios devidos pela União, estabelecendo um calote até o ano de 2026. O texto abre brecha para que os recursos também sejam usados para emendas parlamentares.

Precatórios são dívidas de natureza salarial, previdenciária, tributária, entre outras, frutos de ações judiciais que o governo perdeu na Justiça para pessoas físicas, empresas, estados ou municípios. Com o limite no pagamento imposto pela PEC, somente no próximo ano, o governo deixará de pagar cerca de R$ 49 bilhões. Até 2026, pelas contas da Auditoria Fiscal Independente do Senado, o calote de Bolsonaro e Guedes vai produzir uma dívida que pode chegar a mais de R$ 850 bilhões.

PT também vota a favor da PEC

A PEC foi aprovada em primeiro turno com 64 votos a favor, 13 contra e 2 abstenções, e, a partir de um acordo entre os senadores para quebra de interstício (o intervalo regimental para discussão entre as votações), foi votada em segundo turno, com um placar de 61 votos a favor, 10 contra e 1 abstenção.

O texto, enviado pelo governo ao Congresso e considerado crucial para Bolsonaro, foi aprovado após uma intensa articulação nas últimas semanas e, ao final, contou com o voto de senadores da oposição, inclusive do PT.

Criticados, os petistas tentaram dar as mais variadas desculpas para justificar a posição.

Aposentados e professores sem receber direitos

Os precatórios continuarão a ser lançados por ordem de apresentação pela Justiça e aqueles que ficarem de fora em razão do limite de pagamento serão rolados para os anos seguintes. Contudo, o credor de precatório não contemplado no orçamento terá optar pelo recebimento em parcela única até o fim do ano seguinte se aceitar desconto de 40% por meio de acordo em juízos de conciliação. Ou seja, verá seu pagamento adiado e ainda terá desconto.

Aposentados e professores estão entre os principais afetados. Estima-se que um terço dos precatórios em 2022 é de aposentados e pensionistas que lutam há vários anos na Justiça para receber seus direitos, em ações que reivindicam, por exemplo, o recálculo de seus benefícios. Direitos que muitos deixarão de receber mesmo tendo ganhado na Justiça.

Um levantamento do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), com base nos dados públicos de tribunais federais e obtido pela BBC News Brasil, mostra que um terço (34%) dos precatórios de 2022 é de natureza “alimentar”, ou seja, são dívidas de aposentadorias, pensões, indenizações e salários atrasados históricos do INSS. São aproximadamente 200 mil pessoas que representam cerca de R$ 31 bilhões da composição dos precatórios do próximo ano.

Professores da rede pública de estados e municípios também serão prejudicados. Isso porque parte dos precatórios também são dívidas que a União tem em razão de um erro do governo no repasse de recursos do antigo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que foi substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção da Educação Básica).

Mesmo após concessões feitas pelo governo nas negociações no Senado, ficou estabelecido que os precatórios relativos ao antigo Fundef serão pagos em três anos: 40% no primeiro ano e 30% em cada um dos dois anos seguintes.

Uma das propostas aprovadas na Câmara acabou ficando de fora do texto final aprovado pelos senadores: o mecanismo que permitiria a securitização de créditos públicos, uma manobra que iria aumentar ainda mais a fraude da Dívida Pública e vinha sendo denunciada pela Auditoria Cidadã da Dívida (entenda mais aqui).

Texto voltará à Câmara

Como o Senado alterou o texto originalmente aprovado na Câmara, o texto terá de voltar a ser votado pelos deputados novamente em dois turnos, podendo sofrer novas alterações ou não.

Para o dirigente da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas Atnágoras Lopes, a PEC dos Precatórios é mais um golpe que o governo Bolsonaro dá nos trabalhadores, com o apoio do Congresso.

“O discurso para aprovar a PEC é o pagamento do Auxílio Brasil, mas para isso o governo não precisa impor um calote bilionário em aposentados, professores e outros credores que ganharam ações na Justiça, após esperarem vários anos, muitos até décadas. Bastaria usar parte dos R$ 5 trilhões que o país tem em caixa segundo dados do Tesouro e do Banco Central ou parar de desviar dinheiro público para o pagamento da ilegal Dívida Pública a banqueiros e especuladores”, disse.

“Absurdo é ver que esse golpe teve apoio do PT e outros partidos que se dizem oposição”, criticou.

Outro fator destacado por Atnágoras é a manobra eleitoreira feita com o Auxílio Brasil. “O auxílio é uma necessidade para milhões de brasileiros que estão sofrendo com o desemprego, a carestia e a fome. Mas o valor de R$ 400 foi definido apenas para o próximo ano em que haverá eleições. Mas ficou para depois a regulamentação do valor a ser pago nos anos seguintes”, disse.

“Além disso, o Teto de Gastos não foi revogado. Criado pela Emenda Constitucional 95, que congelou os recursos públicos por 20 anos, esse mecanismo é que estrangula o orçamento do país e impede os investimentos necessários para garantir direitos básicos para a população”, disse.

A CSP-Conlutas defende que para garantir de fato investimentos públicos e direitos sociais é preciso revogar a EC 95 e o teto de gastos e suspender o pagamento da fraudulenta Dívida Pública que sufoca o país.

 

CSP-Conlutas