No contracheque do mês de janeiro, servidoras e servidores estaduais receberam o reajuste salarial de 4%, aprovado ao final de 2021 pela Assembleia Legislativa da Bahia. O aumento, no entanto, está muito distante de ressarcir as perdas inflacionárias de 50,7%, geradas por sete anos de arrocho salarial. Para docentes das Universidades Estaduais da Bahia (UEBA), o reajuste específico previsto para o magistério superior, a ser pago em março, também fere o estatuto da categoria, reduzindo o percentual dos interstícios entre as classes. Mesmo em um cenário econômico de recorde de arrecadação, o governo Rui Costa penaliza trabalhadoras e trabalhadores.
Arrocho salarial
Desde 2015 o governo Rui Costa não fazia a reposição da inflação. Nos últimos sete anos, o IPCA acumulado foi de 50,7%. Significa dizer que, ao fim de 2021, o poder de compra dos servidores da Bahia passou a ser metade do que era em 2014.
O professor Wesley Amaral ingressou na UESB, campus Itapetinga, no ano de 2017, em meio ao congelamento salarial, e obteve seu primeiro reajuste inflacionário na folha de janeiro de 2022. Para o docente, o percentual de 4% não é suficiente, pois “fica nítido que o salário não acompanha a inflação de alimentos que chega a 40% para muitos itens da cesta básica. Ainda podemos acrescentar nesta análise as variações para cima na conta de energia, gás de cozinha, os sucessivos aumentos no preço dos combustíveis, e acréscimo no preço de muitos remédios, sobretudo durante a pandemia. Outros valores como os impostos como IPTU, IPVA e aumento nas prestações de imóveis financiados pela Caixa Econômica, em virtude do IPCA. O que me leva a afirmar que cada vez mais nosso salário é achatado, o que por vezes força à adesão ao crédito para suprir todas as demandas”.
De acordo com os cálculos da Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Feira de Santana (Adufs-BA), docentes na classe auxiliar, nível A, com dedicação exclusiva, a partir de março terão aumento de R$ 507,30. Se o governo Rui Costa tivesse recomposto o salário com a inflação acumulada do período, respeitando o Estatuto do Magistério Superior, esses mesmos docentes receberiam aumento de R$ 2.125,47, chegando a R$ 4 mil para professores na classe pleno.
Conheça os cálculos feitos pela Adufs-BA.
Aposentados
Na avaliação da professora aposentada Ana Angélica Barbosa, diretora financeira da Adusb, o arrocho salarial atinge de maneira mais contundente os aposentados. “Depois de um longo período de congelamento dos salários dos servidores, realmente um reajuste de 4% não é um aumento significativo. Porque não corresponde nem à reposição da inflação do último ano, que foi em torno de 10%. Portanto, a situação dos aposentados fica ainda mais crítica, porque quando a gente se aposenta, o salário vai ter as perdas de aumento da inflação, do aumento dos produtos, perda do poder de compra. O reajuste que foi dado é um reajuste quase insignificante para toda a categoria. E para nós que estamos aposentados é ainda pior, pois estamos em inatividade e não temos nenhum outro rendimento”, critica.
A dirigente sindical considera a política de congelamento salarial do governo Rui Costa como extremamente desrespeitosa para os aposentados, especialmente os do magistério superior. Ana Angélica relata a frustração desse momento, pois “os aposentados das Universidades percorreram uma carreira, fizeram cursos, produziram conhecimento. Chegam na aposentadoria e ficam ainda muito mais de cinco anos sem ter ao menos uma correção salarial, então não é justo para a contribuição que a gente deu para comunidade, para formação de professores, para tantas pessoas que nós ajudamos a formar”.
Ataque à carreira docente
Para além dos 4% de reajuste, também está previsto para docentes das UEBA um aumento com valor fixo de R$ 100 para o regime de 20h, R$ 200 para 40h e R$ 300 para dedicação exclusiva. O início do pagamento está previsto para o contracheque de março.
O Grupo de Trabalho de Verbas da Adusb analisou os textos dos projetos de lei referentes aos reajustes que foram aprovados pela Assembleia Legislativa e produziu uma nota sobre o tema. O documento aponta que, conforme o Estatuto do Magistério Superior, a diferença da remuneração entre as classes auxiliar e pleno é de 87,4%. Como o aumento foi de valor fixo e com base apenas na carga horária, houve desrespeito à estrutura da carreira docente, com redução da diferença entre a classe inicial e final para 82,8%.
Confira a nota completa do GT Verbas.
Sérgio Barroso, professor da UESB e membro do GT Verbas, chama atenção para a imagem que o governo quis passar com a aprovação de um reajuste específico para os docentes das UEBA. “O governo Rui Costa quer vender para a opinião pública esse reajuste como algo maravilhoso, algo justo. Mas, na verdade, ele decidiu quebrar a paridade e a linearidade entre as classes, quebrar os planos de carreira, de cargos e salários. Não aplicou o reajuste de forma linear, ou seja, não aplicou o mesmo percentual de reajuste para todas as classes e cargas horárias. Com isso ele quebrou a regra dos interstícios prevista no Estatuto do Magistério, artigo 27, parágrafo 2, provocando a redução dos interstícios.
Segundo a nota do GT Verbas, a Lei 14.406/2021 “busca dividir a categoria e demonstra, mais uma vez, o propósito do governo de quebrar os pilares da carreira docente. Mantida essa política de reajuste a médio e longo prazo, isso implicará num achatamento salarial de forma global, corrompendo a lógica da promoção na carreira, abrindo um precedente perigoso”.
Com esta modalidade de reajuste, o governo Rui Costa inaugura um novo tipo de ataque ao Estatuto do Magistério Superior. Além de desrespeitar o processo de valorização da qualificação e da experiência das professoras e professores, o ataque pode gerar graves problemas futuros. Sérgio Barroso acredita que “se continuar esta prática de aplicar o reajuste de forma linear, a tendência é que, ao longo do tempo, esse princípio basilar do Estatuto se enfraqueça cada vez mais. Isso obviamente terá impactos também no momento da aposentadoria, já que os salários ficarão cada vez mais achatados. É muito importante que haja o reajuste, mas ele não pode ocorrer de qualquer jeito como quer o governo Rui Costa, é necessário que ele seja linear, que respeite o Estatuto e que corresponda no mínimo os índices inflacionários. Precisamos denunciar mais esse golpe do governo Rui Costa no funcionalismo público”.
Não falta dinheiro
Ao contrário do que se possa crer, não foi a falta de recursos disponíveis a razão para aprovação de um reajuste salarial pífio ao funcionalismo público da Bahia. Os dados do Portal da Transparência revelam que há uma queda vertiginosa no percentual utilizado para o pagamento de pessoal do Poder Executivo. A Lei de Responsabilidade Fiscal aponta como limite prudencial o uso de 46,17% da receita para esta finalidade e 48,6% como limite máximo. Em 2018, o Estado da Bahia utilizou 45,64% dos recursos para pagamento de pessoal. No ano seguinte, o índice passou a 43,32% e, em 2020, para 40,48%. Enquanto servidoras e servidores amargavam um longo período de congelamento salarial, o ano de 2021, momento da decisão de finalmente realizar o reajuste, o gasto com pessoal ficou em 35,13%, cerca de 10% abaixo do limite prudencial.
“Do ponto de vista da Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo pode sim fazer uma reposição maior do que essa pequena reposição que ele fez. Ele não estaria descumprindo a lei. Essa queda da destinação de recursos para o pagamento do funcionalismo público se dá inclusive por conta desse arrocho salarial que o governo vem promovendo”, explica Marcos Tavares, 1º vice-presidente da Regional NE III do ANDES-SN e membro do GT Verbas da Adusb.
A situação do caixa estadual também é extremamente favorável. O Portal da Transparência indica que, de 2018 a 2021, houve crescimento de 32,33% na arrecadação. Cerca de R$ 9 bilhões apenas de 2020 para 2021. “É um recorde em crescimento. Você não tem um resultado assim nos últimos 10 anos, então mostra uma recuperação fiscal em função do impulso inflacionário, no caso da Bahia, muito grande. Se olharmos o ICMS, a ordem desse crescimento é de 35,51%, se compararmos o ano de 2020 com 2018. As receitas tributárias cresceram bastante no mesmo período em que o governo impôs aos servidores públicos um arrocho salarial”, ressalta Marcos Tavares.
Ao invés de respeitar os direitos trabalhistas dos servidores públicos baianos, o governo Rui Costa tem privilegiado o pagamento de juros da dívida pública e realizado vultosas isenções fiscais. O Tribunal de Contas da Bahia aponta que, de 2015 a 2018, foram mais de R$ 11 bilhões isentados. Em 2021, a Bahia abriu mão de cerca de R$ 3 bilhões em impostos para beneficiar grandes empresas.
Mobilizar para combater
O Fórum das ADs protocolou a pauta de reivindicações 2022, onde consta a pauta da recomposição salarial considerando as perdas de 2015 a 2021, o respeito ao Estatuto do Magistério, dentre outros pontos. A Adusb participa ativamente da construção do Fórum das ADs e também pressiona pela retomada da mesa de negociação permanente, interrompida pelo governo.
Sandra Ramos, secretária geral da Adusb, entende que o governo Rui Costa, ao aplicar um reajuste salarial ínfimo diante das perdas no período e ignorar mais uma vez o Estatuto do Magistério, “faz uma opção pelo desmonte do serviço público, pela desvalorização da carreira docente”. Acredita também que a “categoria precisa estar esclarecida sobre os artifícios utilizados pelo governo e se manter mobilizada diante desse cenário de fortes ataques, pois só a luta pode reverter esse cenário”.