
De acordo com estudo socioeconômico aplicado e divulgado pela Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – Uesb, por meio da Circular PROGRAD 079/2019 no Período Letivo 2018.2, cerca de 30% do total dos/as estudantes da Uesb que responderam ao questionário, 8.064, pertenciam à família inscrita em programa social do governo. Quando perguntados/as sobre a renda familiar total, 54% declararam ser esta de até R$ 1.500,00; 27% entre R$ 1.501,00 e R$ 3.000,00; e 9,1% entre R$ 3.001,00 e R$ 4.500,00. Tomando como referência o salário mínimo de 2019, isso significa, respectivamente, 1,5, 3,0 e 4,5 salários mínimos, rendas que dificilmente podem ser consideradas elevadas, em especial levando-se em consideração o tamanho das famílias. Os dados confirmam aquilo que todos/as nós docentes da Uesb, em alguma medida, já temos ciência, o quadro de vulnerabilidade socioeconômica da grande maioria dos estudantes de nossa universidade. Não temos acesso a estudo mais atualizado, mas é que, se esse quadro não se agravou, certamente não melhorou, após a pandemia da COVID-19 e os anos do desgoverno Bolsonaro, fundado na lógica do desmonte das políticas públicas.
A Adusb e o movimento docente do magistério superior (MD), por meio do Fórum das ADs, têm, ao longo de sua história, lutado lado a lado ao movimento estudantil pela ampliação e consolidação das políticas públicas de acesso e permanência estudantil. Nos termos do Caderno 2 do ANDES Sindicato Nacional defendemos uma política de acesso e permanência estudantil socialmente referenciada, portanto, que "[...] Estado e as Instituições de Ensino Superior (IES) [...]" estabeleçam "políticas efetivas de permanência estudantil – um direito dos estudantes –, notadamente dos provenientes da classe trabalhadora e participantes das ações afirmativas. Tais políticas exigem dotação orçamentária específica para atender a demanda qualificada por alimentação, moradia, transporte, creche, bem como a destinação de bolsas, o acesso a bibliotecas e para garantir a participação plena dos estudantes na vida acadêmica".
Após intensa luta do movimento estudantil, o governo criou o programa estadual de permanência estudantil "Mais Futuro", conforme denominado pelo próprio governo. Apesar disso, há muito o que avançar, na avaliação do próprio ME. Apesar dos recursos formalmente entrarem na dotação orçamentária da universidade, na prática, o programa é todo coordenado pelo governo, desrespeitando a autonomia universitária e desconsiderando as especificidades de cada universidade. A pauta da dotação orçamentária específica ainda não é uma realidade. As bolsas, seja na quantidade ou em valor, são insuficientes para atender à realidade de vulnerabilidade socioeconômica dos/as estudantes. O programa também adota critérios de concessão diametralmente opostos a qualquer perspectiva socialmente referenciada.
No âmbito federal, o governo Dilma (PT), descontinuou, no bojo das reformas neoliberais de conciliação de classes adotadas no período, o Programa Nacional de Assistência Estudantil para as Instituições de Educação Superior Públicas Estaduais - PNAEST. Até o momento, não há notícia de retomada dos editais do programa.
Neste cenário, as políticas institucionais próprias de acesso e permanência estudantil se tornam ainda mais fundamentais. Na Uesb, a criação e ampliação dessas políticas próprias são também conquistas das lutas protagonizadas pelo ME, com o apoio do MD. As dificuldades para implementação dessas políticas são muitas, como concepções equivocadas sobre políticas de acesso e permanência estudantil de gestores e parte da comunidade acadêmica. Mas, sem dúvida nenhuma, a maior delas tem sido a política do governo estadual de estrangulamento orçamentário das universidades estaduais, em especial nos últimos oito anos do governo Rui Costa (PT). E, até o momento, nesses pouco mais de seis meses do governo Jerônimo Rodrigues (PT), as informações indicam que não houve mudanças nessa política.
Contudo, este quadro de dificuldades não justifica o recuo nos avanços conquistados, entre eles a criação e manutenção dos Restaurantes Universitários (RUs), garantindo alimentação saudável, de qualidade e acessível ao conjunto de estudantes dos três campi da Uesb.
Foi por isso que recebemos com surpresa e preocupação a notícia de que, após os RUs ficarem fechados por alguns meses, a reabertura dos mesmos se dará pela adoção de um modelo que destoa completamente dos princípios que devem sustentar uma política de acesso e permanência estudantil socialmente referenciada. De acordo com informações divulgadas pelos Centros Acadêmicos e pelo Diretório Central dos Estudantes do campus de Vitória da Conquista, em reunião convocada pelas Pró-reitorias de Ações Afirmativas, Assistência e Permanência Estudantil - PROAPA e de Administração – PROAD, no dia 6 de junho, as representações estudantis foram informadas que as refeições serão vendidas nos RUs ao custo de R$ 39,97 o quilo, sendo que somente os/as estudantes habilitados no Programa de Assistência Estudantil (PRAE) terão sua alimentação subsidiada no valor de R$ 2,00, até o limite de 600 gramas por refeição.
Aqui, cabe resgatar o requisito de renda para habilitação ao PRAE, conforme o Edital Uesb 040/2023. De acordo com item 2 do Edital, o mesmo destina-se aos/às discentes que "[...] se encontrem em situação de vulnerabilidade socioeconômica mediante comprovação de renda per capita familiar de até 1,5 (um e meio) salário mínimo vigente [...]", com destaque para o per capita. A pesquisa socioeconômica de 2018.2 não tem dados sobre o tamanho das famílias ou renda per capita, mas os dados deixam patente que uma quantidade significativa de estudantes em condição de vulnerabilidade socioeconômica podem não ser habilitados/as nos termos do Edital. E, nos perguntamos como estes/as estudantes farão para fazer suas refeições nos campi da Uesb, tendo como únicas opções uma refeição por R$ 39,97 o quilo, ou então comer um lanche ou "biscoito de queijo" nos quiosques/lanchonetes dos campi. Não se pode conceber uma educação pública de qualidade e socialmente referenciada, em especial numa universidade em que cerca a maioria dos/as estudantes enfrentam uma realidade de vulnerabilidade socioeconômica tão grave quanto a da Uesb, sem uma política de acesso e permanência estudantil que garanta uma alimentação de qualidade a todos/as esses/as estudantes.
As dificuldades são muitas certamente. Mas para enfrentá-las é preciso romper com modelos sabidamente falhos, que preconizam a lógica da subsidiariedade, transferindo para o setor privado aquilo que é responsabilidade do poder público. É urgente buscar outras soluções, em diálogo com a comunidade acadêmica e, em especial, com o ME.
Apesar do período de recesso, o ME está construindo a mobilização para luta e já convocou assembleia estudantil para o dia 06 de julho. A diretoria da Adusb reafirma seu apoio à luta do ME, ao tempo em que convoca toda a categoria docente a se apropriar desse debate e apoiar, ativamente, a luta do ME para garantir o funcionamento dos RUs, com alimentação de qualidade e acessível ao conjunto de estudantes.