O final de semana foi novamente marcado por ataques violentos contra retomadas Guarani e Kaiowá, na Terra Indígena Lagoa Panambi, em Douradina (MS). Ao menos 11 indígenas ficaram feridos, três em estado grave.
No sábado (3), após a Força Nacional se retirar da área, um grupo de jagunços fortemente armados invadiu a retomada Pikyxyin, uma das sete na TI identificada e delimitada desde 2011, em camionetes e atirou com munição letal e balas de borracha contra as e os indígenas, deixando ao menos dez feridos.
“Queremos saber a razão da Força Nacional ter saído daqui. Os agentes saíram e o ataque aconteceu. Parece que foi combinado. Queremos entender”, disse um indígena Guarani e Kaiowá por áudio enviado pelo WhatsApp, conforme divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O ataque ocorreu na mesma retomada onde, na sexta-feira (2), uma ação violenta já havia ocorrido, mas sem ferir indígenas, e também local em que um casal de jagunços armados foi detido pela Força Nacional na quinta (1).
No sábado pela manhã, conforme apuração do Cimi, a Força Nacional comunicou à Coordenação Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que os Guarani e Kaiowá tinham avançado nas retomadas. Uma equipe do órgão indigenista foi enviada às retomadas para averiguar a informação. Contudo, os servidores da Funai não confirmaram o fato, e constataram que, ao contrário, os indígenas seguiam nos mesmos locais. De acordo com o Cimi, a desinformação foi utilizada por ruralistas para gerar pânico e mobilizar pessoas na região, o que resultou em novo ataque.
A Defensoria Pública da União (DPU) anunciou que entrará com representação pedindo a destituição do comando da Força Nacional no Mato Grosso do Sul. Após o ataque, foram acionados o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Ministério dos Povos Indígenas, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério Público Federal (MPF) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
Na noite de domingo (4), após a divulgação de notícias falsas de que os Guarani e Kaiowá “invadiram mais fazendas” em Douradina (MS), indo além das sete retomadas em que já se encontram dentro dos limites da Terra Indígena Lagoa Panambi, um grupo atacou a retomada Yvy Ajere. Sequer a presença de órgãos federais intimidou os criminosos. Com tratores e camionetes, os jagunços avançaram para a área da retomada. Barracos, pertences e símbolos da cosmologia Guarani e Kaiowá foram destruídos e incendiados, parte também da tática de violência contra povos indígenas. Ao menos um indígena foi ferido com disparos de balas de borracha.
Além da Força Nacional presente na região, na manhã de domingo uma comitiva composta por representantes do Ministério Público Federal (MPF), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDH) esteve nas retomadas Kurupa’yty e Pikyxyin para a realização de uma oitiva e iniciou a investigação do crime sofrido pelos Guarani e Kaiowá no sábado.
“Vão cavar covas aqui pra jogar a gente tudo dentro. Pode fazer isso. Se querem Guarani e Kaiowá fora daqui, matem a gente. Enterrem aqui e aí podem plantar soja por cima. Essa é a vontade do governo? Isso que quer a Justiça? Então façam isso logo, matem a gente tudo. Jagunçada atira na gente, destrói o pouco que temos e a Força Nacional só olha, governo vem aqui e não faz nada. Saiam daqui, desgraçados! É a nossa terra e tão caçando a gente feito animal. Só quero fazer saber que vamos morrer aqui”, declarou um indígena ao Cimi.
Retaliação ao MST
Também na madrugada de domingo (4), o acampamento Esperança, onde vivem cerca de 300 famílias, em Dourados, a poucos quilômetros de Douradina, foi atacado e incendiado. Mantido pelo Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), integrantes do Esperança estiveram na Terra Indígena Lagoa Panambi na última semana para prestar solidariedade e levar mantimentos às retomadas Guarani e Kaiowá.
No ataque da madrugada, integrantes do Esperança contaram cerca de dez camionetes e duas motocicletas. “Fazendeiros não deixaram o corpo de bombeiros agir com rapidez, barrando o acesso imediato ao local dos incêndios. Alguns barracos (foram) perdidos pelo fogo, (mas) a infraestrutura se recupera depois”, diz nota do acampamento Esperança. O texto destaca ainda que a solidariedade do MST aos Guarani e Kaiowá não será abalada.
“As autoridades de segurança se ausentam deliberadamente. A inércia, imobilismo em ações concretas de reforma agrária e demarcação de terras indígenas acirram os conflitos agrários. Audiências e boas prosas são ineficientes”, conclui a nota do acampamento Esperança.
STF discute Lei do Genocídio Indígena
Os ataques no Mato Grosso do Sul acontecem às vésperas da primeira reunião da câmara de conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (5), que discutirá a Lei do Genocídio Indígena (Lei 14.701/2023). Devem participar da reunião membros do Senado, Câmara dos Deputados, Governo Federal, dois governadores e um representante da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Embora represente mais de 200 povos indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) terá apenas seis vagas.
A Apib convocou uma mobilização para acompanhar a reunião na Praça dos Três Poderes. A criação da câmara de conciliação foi determinada pelo ministro Gilmar Mendes em abril. A decisão não foi avaliada pelos demais ministros da Corte e não considerou as solicitações do movimento indígena, como a suspensão dos efeitos da lei.
A Lei 14.701/2023 dispõe sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas no país e foi aprovada pelo Senado Federal em 27 de setembro do ano passado, mesmo dia em que o STF rejeitou a tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a vetar o dispositivo da Lei que impôs o Marco Temporal, estabelecendo que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando-as em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil. No entanto, esse veto foi derrubado pelo Congresso Nacional.
Com informações do Cimi e da Apib