
Uma das principais acusações de trabalho escravo da história do país começa a ser analisada nesta semana pela Justiça do Trabalho em Redenção, no Sul do Pará. A Volkswagen do Brasil é acusada de aliciar trabalhadores rurais e submetê-los a condições análogas à escravidão na fazenda Vale do Rio Cristalino, em Santana do Araguaia (PA), entre 1974 e 1986.
Em dezembro de 2024, após décadas de denúncias de organizações como a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e sindicatos de trabalhadores, além de frustradas tentativas de acordo com a montadora alemã, o MPT (Ministério Público do Trabalho) denunciou a Volks por violações aos direitos humanos.
Na próxima sexta-feira (30), quatro trabalhadores escravizados depõem como testemunhas. A expectativa é que a sentença da Justiça saia no segundo semestre. A ação solicita um pedido público de desculpas e R$ 165 milhões em indenizações por danos morais coletivos.
“Quando tava na Volks não tinha dia não, a gente trabalhava até de domingo. Trabalhava de foice e morava no barracão de lona. Quando tinha chuva de vento, arrancava tudo”, conta à Repórter Brasil Raul Batista de Souza, de 66 anos, um dos trabalhadores convocados a depor.
O processo contra a Volkswagen se destaca pela abundância de documentos históricos, depoimentos, fotos, investigações parlamentares e reportagens no Brasil e na Alemanha nos últimos 40 anos. A documentação detalha episódios de violência, tortura, escravidão por dívida, perseguições e ameaças atribuídos a funcionários e intermediários da antiga fazenda da montadora na Amazônia, dedicada à pecuária e extração de madeira.
A ação destaca que estão presentes na denúncia os quatro elementos que, mesmo isoladamente, já configurariam a existência de trabalho escravo de acordo com a legislação brasileira: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva. O número de trabalhadores afetados é incerto.
Segundo a denúncia do MPT, os lavradores escravizados eram recrutados em cidades distantes e levados para atuarem na derrubada da mata nativa para abertura de pasto. A cada ano, até mil peões atuavam ao mesmo tempo em várias frentes de desmate. A CPT estimou na época ao menos mil vítimas.
“O gado tinha tudo. Uma equipe de agrônomos, controle por chip, um pasto fantástico, todo o acompanhamento que garantia a saúde e a engorda. Já para os trabalhadores não era oferecido nada. Havia o barracão precário, onde ficavam devendo após comprarem produtos para trabalhar e construir suas moradias. E eram impedidos de sair da fazenda, pois havia homens armados, ameaças de morte e captura de quem tentasse escapar”, resume o padre Ricardo Rezende Figueira, à época coordenador da CPT na região do Araguaia e Tocantins. “Agravando o problema, muitas vezes estavam distantes dos seus locais de origem”, continua.
Hoje professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), onde coordena o GPTEC (Grupo de Pesquisa do Trabalho Escravo Contemporâneo), ele foi um dos primeiros a registrar as denúncias dos trabalhadores, ainda na década de 1970. Rezende também presta depoimento esta semana.
Antes de acionar a Justiça, o MPT se reuniu cinco vezes com a fabricante para tentar uma conciliação. A Volks, porém, se retirou das conversas em 2023, alegando não ser responsável pelos fatos.
Três anos antes, a empresa havia assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o MPT, o Ministério Público Federal e o MP de São Paulo, reconhecendo a perseguição e tortura de ex-funcionários em sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP) durante a ditadura militar (1964-1985) e aceitando pagar R$ 36 milhões em compensações. A companhia, porém, nunca admitiu culpa pelas denúncias envolvendo a fazenda no Pará.
Procurada, a Volkswagen do Brasil disse que “não comenta processos em andamento”.
Leia a matéria completa aqui
Fonte: Repórter Brasil, por Diego Junqueira