Avivamento na Uesb? A universidade pública deve respeitar o princípio da laicidade

Na última semana, aconteceu um evento religioso de caráter cristão no campus de Vitória da Conquista da Uesb. Com tendas disponibilizadas pela administração, a atividade contou com banda, músicas em alto volume e discursos de evangelização que afirmavam “entrar” no espaço da universidade. O grupo responsável já passou por diversas instituições de ensino superior do país, promovendo cultos e encontros com objetivo declarado de evangelizar estudantes.

Esse fenômeno não é isolado. Na UFMG, a realização de cultos pelo Aviva gerou debates sobre os limites entre liberdade religiosa e proselitismo em espaço público. Na UnB, a mesma organização realizou evento no Teatro de Arena, com louvor, oração e pregação. Na USP, vídeos circularam mostrando a mobilização do grupo nos campi. Em todos os casos, a polêmica foi semelhante: até que ponto uma universidade pública pode ceder espaço e infraestrutura para práticas religiosas de caráter confessional?

Esse tipo de iniciativa afronta diretamente a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 19, inciso I, veda à União, aos estados e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou subvencioná-los, manter com eles relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público. Trata-se de uma das bases do princípio do Estado laico. 

O risco de naturalizar esse tipo de prática é grave. Abre-se precedente para a disputa entre grupos religiosos por espaço dentro das universidades. Cria-se um ambiente de exclusão para estudantes, docentes e técnicas/os que não compartilham da mesma crença. Desconsidera a autonomia universitária, ao permitir que agendas confessionais ditem usos e sentidos da estrutura pública.

A universidade, como espaço de ciência, de formação crítica e de convivência plural, deve ser um lugar que assegure liberdade de pensamento, de crença e de não crença. Quando a estrutura universitária é utilizada para um grupo religioso específico, é restringida a diversidade que caracteriza a vida acadêmica e pode criar um ambiente de constrangimento para quem não compartilha da mesma fé. Não se trata de desconsiderar a importância da religião para muitas pessoas, mas de reafirmar que o espaço da universidade não pode ser apropriado por projetos de evangelização.

A universidade deve ser preservada como território de pluralidade, aberto a diferentes culturas, filosofias e manifestações, mas sempre a partir do princípio da igualdade e sem privilégios institucionais para qualquer crença, visto que é dever da instituição utilizar seus recursos para garantir a realização do ensino, da pesquisa e da extensão. É isso que garante a autonomia, a liberdade e a legitimidade do ambiente acadêmico.

A Adusb reafirma seu compromisso com a defesa da universidade pública, gratuita, socialmente referenciada e laica. Proteger a pluralidade e a autonomia é condição essencial para formar cidadãs/ãos críticas/os e preservar a função social da universidade. A seção sindical cobra que a Reitoria adote procedimentos administrativos que coibam o uso da universidade para proselitismo religioso. É dever da gestão universitária zelar pela autonomia da instituição, pela diversidade de ideias e pela proteção de toda a comunidade acadêmica contra práticas que possam gerar exclusão ou constrangimento.