Rui Costa inicia privatização da educação básica na Bahia
Foto: Secretaria de Educação do Estado da Bahia

Escolas da educação básica de Salvador, Alagoinhas, Ilhéus e Itabuna deixarão em breve de ter seus serviços administrativos, mesmo pedagógicos, realizados pelo governo do Estado da Bahia. É o que indica a portaria 770/2019, responsável por abrir um chamado a organizações sociais (OS) com interesse em assumir tais tarefas em escolas da rede estadual. As parcerias público-privadas mediante acordos firmados com OS são uma forma de privatização e já fazem parte da política do governo Rui Costa, especialmente na saúde e transporte. O projeto tem como modelo o empregado na Paraíba, Estado que está em investigação por fraudes realizadas em organizações sociais. 

Confira a portaria 770/2019.

O projeto para educação baiana

A proposta do governo é entregar a administração dos serviços de limpeza, segurança, tecnologia, manutenção, preparação de alimentos, portaria, tecnologia da informação e comunicações, secretaria, biblioteca, instalações esportivas e substituição temporária de professores para as OS. O governador Rui Costa defendeu em entrevista à Band News que a gestão escolar via OS “libera os diretores somente para o cuidado da pedagogia, da aprendizagem”. Parece uma boa solução, mas a realidade é bem distante disso.

As organizações sociais são entidades privadas sem fins lucrativos, que prestam serviços à administração pública com recursos públicos. Foram criadas pela lei 9.637/98, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, como forma de diminuir drasticamente a realização de concursos públicos, reduzir custos e despesas com folha de pagamento. Foram estabelecidas na Bahia por meio da lei 8.647/2003, no governo Paulo Souto.  Ao contrário do defendido pelos que adotam essa política, o histórico das OS no Brasil mostram que elas precarizam as relações e condições de trabalho, sem melhoria do serviço prestado à população.

Apesar de se dizerem sem fins lucrativos, as organizações sociais funcionam sob a lógica de mercado. Portanto, direitos trabalhistas, carreira, aliar a busca de melhoria da qualidade dos serviços à perspectiva de educação emancipadora não fazem parte das suas preocupações. Escolas administradas dessa forma fortalecem a concepção de educação como mercadoria e não como direito.

A professora Iracema Lima, coordenadora do Grupo de Políticas Educacionais da Adusb (GTPE), avalia que o governo ao editar a portaria 770/2019 “evidencia o seu descompromisso com a educação pública da população baiana. Como expresso no documento do governo, neste momento será uma ação piloto com perspectiva de expansão aos demais municípios baianos e, por que não à educação superior”. A docente defende que o movimento docente “deve se organizar e fazer a resistência para que políticas desta natureza não precarizem ainda mais as relações trabalhistas e sucateiem ainda mais a educação pública dos filhos e filhas da classe trabalhadora baiana”.

Privatizações como política de governo

Assim como os demais discursos em defesa das privatizações, o governo Rui Costa tenta justificar a necessidade passar a responsabilidade de um serviço público para a iniciativa privada como forma de corrigir problemas. Não se discute por quais razões esses problemas acontecem.

O documento “Projeto de publicização dos serviços de suporte administrativo e operacional no âmbito das Unidades Escolares Estaduais da Bahia”, por exemplo, afirma que “muitas Unidades Escolares Estaduais não dispõem de condições adequadas para o seu efetivo funcionamento, no que se refere à manutenção preventiva e corretiva, investimentos em infraestrutura, recursos financeiros disponibilizados no momento certo, dentre outros. Isto acaba afetando, em alguma extensão, as condições de trabalho e de aprendizagem”. Também ressalta que “não há dúvida de que o estado atual da infraestrutura das escolas contribui significativamente para a queda de seu desempenho”. Embora reconheça as mazelas não assume, como deveria, a responsabilidade destas.

Veja o documento completo.

O Estado admite que há graves problemas de infraestrutura, de condições de trabalho e estudo nas escolas, mas ao invés de apontar para a criação de políticas de correção das distorções, decreta sua incapacidade de resolver a situação ao apontar as organizações sociais como alternativa. Fica evidente que não se trata de corrigir os problemas criados pelo próprio Estado, resultado de uma política de ajuste fiscal, pois seria necessário investir em pessoal e recursos financeiros. Ao invés disso, a única possibilidade indicada é abrir o setor da educação para a iniciativa privada, orientada a reduzir ainda mais os investimentos.

A tática não é nova na Bahia. Existem atualmente sete contratos de parcerias público-privadas (PPPs) para administração do Hospital do Subúrbio, Arena Fonte Nova, Instituto Couto Maia, Metrô de Salvador – Lauro de Freitas, Diagnóstico por Imagem, Sistema BA-052 e Emissário Submarino. De 2015 a 2018, foram empregados mais de R$ 2,4 bilhões nesses contratos. Neste mesmo período, em 2017 foi registrado um aumento de 46% com PPPs em relação ao ano anterior, enquanto na educação a ampliação de recursos foi de apenas 6%.  O montante utilizado em 2018 para o pagamento dos contratos foi 221% maior do que o disponibilizado no último ano do governo Wagner.

O modelo da Paraíba

Tanto o governador Rui Costa, quanto o Secretário de Educação, Jerônimo Rodrigues, afirmaram que o modelo de OS que será adotado na educação será o mesmo que o da Paraíba. O que nenhum dos dois cita é que há uma investigação em curso sobre corrupção em organizações sociais que prestam serviço ao estado. A chamada Operação Calvário pretende desarticular uma organização criminosa infiltrada na Cruz Vermelha Brasileira. A estimativa é que a organização teve acesso a mais de R$ 1,1 bilhão em recursos públicos de vários estados brasileiros. De acordo com o Ministério Público da Paraíba, a ex-Secretária de Administração do Estado teria recebido cerca de R$ 80 mil por mês em propina.

Um dos argumentos do governo da Bahia utilizado para contratação de OS é que ela “impõe regras mais flexíveis à operação dos processos de suporte administrativo e operacional”. A situação da Paraíba mostra que esse processo de flexibilização das regras de contratação e compras não significa necessariamente que o dinheiro público será usado de maneira rápida e eficiente. 

Projeto piloto

Salvador, Alagoinhas, Ilhéus e Itabuna fazem parte do projeto piloto para privatização do ensino básico da Bahia. A estimativa é que 120 escolas façam parte do grupo experimental, que abrange cerca de 5.509 servidores, sendo 3.725 alocados diretamente nos processos pedagógicos e 1.784 em processos de suporte administrativo. De acordo com o governo, não é possível estabelecer quanto atualmente é gasto com serviço de suporte administrativo e operacional das escolas das cidades listadas, pois o grupo ainda não foi definido. O estado pretende utilizar aproximadamente R$ 92 milhões por ano nos contratos das 120 escolas.

É preciso estar atento e forte

O processo de contratação de organizações sociais para a educação da Bahia se assemelha com o Future-se, projeto do governo Bolsonaro para a rede federal de educação. Ambos afirmam que pretendem retirar a responsabilidade das instituições de ensino das questões administrativas, para focar no que é de natureza pedagógica, por meio da contratação de OS. Contudo, se tratam de projetos de privatização.

“O projeto neoliberal, que orienta as políticas públicas, reforça a necessidade de fortalecer um Estado mínimo para as políticas sociais e máximo para o capital. A população baiana não pode se calar e permitir, a exemplo do que aconteceu com a saúde pública no Estado, que a população além de morrer na míngua, morra na ignorância”, pontuou Iracema Lima.    

Fonte: Adusb com informações do Portal da Transparência, Secretaria de Educação do Estado da Bahia, Andes-SN, G1 e Walter Takemoto.