Desgoverno e oportunismo marcam políticas de enfrentamento à COVID-19

Com todos os olhos voltados para a pandemia, os governos federal, estaduais e municipais aproveitam o momento para atacar trabalhadores. Prova disso são os cortes enfrentados pelos servidores públicos e as precárias políticas de auxílio aos trabalhadores informais e de manutenção de empregos formais. A justificativa é combater o coronavírus, mas as ações não refletem de fato uma preocupação com a vida das brasileiras e brasileiros, visto as políticas defendidas pelo presidente Bolsonaro e o Ministério da Saúde.

Setor público

Após a perda do apoio ao projeto para redução salarial dos servidores federais em até 50%, o governo Bolsonaro decidiu por uma tática mais discreta para penalizar os trabalhadores. No dia 25 de março, publicou a Instrução Normativa nº 28, que cortou o auxílio transporte, adicional noturno e adicionais de insalubridade, periculosidade, irradiação ionizante e gratificação por atividades com raios X ou substâncias radioativas de servidores federais. De acordo com o Andes-SN, a medida representa redução de até 20% do salário em determinados casos.

A postura não é novidade, pois antes mesmo da confirmação do primeiro caso do coronavírus no Brasil, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia apresentado a Reforma Administrativa. O projeto faz uma defesa enfática da necessidade de reduzir as despesas com pessoal e defende o fim dos “privilégios” dos servidores públicos.

O oportunismo não ocorre apenas no âmbito federal. Na Bahia, o governador Rui Costa também cortou direitos dos servidores estaduais por meio de Instrução Normativa. A publicação do dia 17 de abril retira o auxílio transporte. É o mesmo governo que há cinco anos não faz o pagamento nem mesmo da reposição inflacionária a estes trabalhadores, gerando uma perda salarial acima dos 30%.

Servidores municipais também enfrentam ataques. Em Vitória da Conquista, o prefeito, Herzem Gusmão, cortou em 50% o salário dos professores contratados da zona urbana, ao reduzir a carga horária para 20h. Anunciou ainda que os docentes da zona rural terão redução salarial de 20%. Desde o início do seu mandato, o prefeito tem perseguido trabalhadores, especialmente da educação, e há três anos não faz reajuste salarial.

Trabalhadores da iniciativa privada e informais

As políticas realizadas para trabalhadores formais e informais também revelam o pouco empenho do governo federal em criar condições para que a população fique em quarentena.

O benefício emergencial de R$ 600 aprovado para trabalhadores informais e pessoas em situação de vulnerabilidade social, além do seu valor insuficiente, não atenderá a todos. Segundo levatamento do Dataprev, 32 milhões de solicitações foram feitas entre 7 e 10 de abril, mas apenas 47,5% foram homologados e 11% não foram considerados aptos.

Um dos maiores problemas apontados pela população é a burocratização do acesso ao auxílio, o que se reflete no fato de que 41,5% dos cadastrados ainda não receberam os R$ 600, por estarem com supostas pendências cadastrais. Também são relatadas dificuldades para acessar o aplicativo da Caixa para fazer inscrição, além das poupanças criadas para receber os recursos. Enquanto isso, trabalhadoras e trabalhadores se aglomeram nas portas dos bancos em busca de solução, aumentando o risco de contaminação.

Para os trabalhadores da iniciativa privada, o cenário também não é animador. Na contramão das políticas implementadas em diversos países contra o desemprego, o governo federal publica a medida provisória (MP 936), um tratado de salvação às empresas e não aos trabalhadores.

A MP permite redução salarial de até 70% e suspensão de contratos de trabalho por até dois meses. Apesar do anúncio de que existirá ressarcimento do governo a partir do seguro desemprego, haverá perdas salariais, pois os pagamentos irão até no máximo R$ 1.813,00 e as reduções de carga horária menores que 25% não serão compensadas pela União. Até a quinta-feira (23), mais de 3,5 milhões de suspensões de contrato e redução salarial foram comunicadas.

Até o final do mês devem ser investidos R$ 31,1 bilhões no benefício emergencial e a estimativa para os ressarcimentos, fruto da MP 936, é de R$ 6,9 bilhões. Significa dizer que as duas principais políticas apresentadas para a população custarão cerca de R$ 38 bilhões. Enquanto isso, já foram liberados mais de R$ 1 trilhão aos bancos. Quem realmente o governo deseja salvar?

À margem das políticas sociais

Há ainda uma parte da classe trabalhadora em condições ainda mais preocupantes durante a pandemia, a população em situação de rua. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estimou que existiam cerca de 100 mil brasileiras e brasileiros nesta situação. O agravamento do desemprego, a perda recursos dos serviços públicos e dos direitos trabalhistas ampliaram e muito o quantitativo. No Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal são 140 mil inscritos. Entretanto, apenas na cidade de São Paulo, em 2018, a prefeitura verificou mais de 105 mil pessoas em situação de rua. O que mostra que nem o próprio governo tem total dimensão das demandas.

Esta população dificilmente consegue acessar o benefício emergencial, já que os trâmites são burocráticos e necessitam de acesso à internet. Políticas específicas também não foram tomadas pelo governo federal. A Secretaria Nacional de Proteção Global e a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente criaram um protocolo de acolhimento durante a pandemia. O documento, entretanto, não ressalta novos investimentos públicos e delega responsabilidades à sociedade civil e às organizações não governamentais.

Há denúncias também nas cidades que possuem albergues e abrigos sobre a continuidade das aglomerações, já que não existe estrutura suficiente para atender a demanda.

Alguns projetos foram apresentados na Câmara dos Deputados sobre a população em situação de rua, mas elas ainda estão em tramitação inicial, aguardando despacho do presidente da Câmara dos Deputados.

A consequência das políticas neoliberais de estado mínimo e dos cortes nos serviços públicos

Não só as políticas que envolvem emprego revelam descaso. Segundo levantamento da Fiocruz, as mortes no Brasil pelo coronavírus estão dobrando a cada cinco dias, uma taxa de crescimento mais alta que na Espanha, Itália e EUA. Os sistemas de saúde de São Paulo, Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco já estão com graves problemas e o pico da epidemia ainda não chegou. Em várias capitais há significativa ocupação dos leitos de UTI. Em Manaus, no mais triste exemplo das graves consequências das políticas neoliberais de estado mínimo, valas coletivas estão sendo abertas para comportar o alto número de mortos.

Mesmo neste cenário, Bolsonaro demitiu o ministro Luiz Henrique Mandetta, que defendia medidas de isolamento, para que Nelson Teich assumisse o Ministério da Saúde, e fortalecesse suas ações em torno do fim da quarentena.

Em coletiva de imprensa na quinta-feira (23), Teich cumpriu seu papel de algoz de trabalhadoras e trabalhadores ao apresentar estatísticas infundadas sobre a pandemia no Brasil e afirmar que o país “é um dos países que melhor performa em relação a COVID”.

O ministro convenientemente esqueceu de dizer que o combate até agora tem sido feito por governos municipais e estaduais que, através dos serviços públicos, têm adotado políticas de enfrentamento à pandemia, mesmo com o boicote sistemático do governo federal. Em algumas situações, como no Rio de Janeiro, Recife e Maranhão, o governo federal, através do Ministério da Saúde, chegou a confiscar respiradores comprados. Situação que só foi resolvida após estados e municípios entrarem na justiça para conseguir a liberação dos equipamentos.  O ministro anunciou também que aguarda os números para a elaboração de um programa para a saída da quarentena, atendendo aos anseios dos industriais e empresários.

A pressão destes setores atinge não só as políticas de saúde do governo federal. Estados como Santa Catarina, Mato Grosso, Rondônia e Roraima já anunciaram mudanças que reduzem o rigor das medidas de isolamento. São Paulo, o Estado que concentra o maior número de mortes, também informou que mudará sua política de quarentena a partir de maio, priorizando setores como comércio e turismo. A preocupação com os lucros revela a lógica genocida destes governos.

O presidente Bolsonaro na segunda-feira (20) mostrou mais uma vez seu descaso com a vida da população. Ao defender o retorno das atividades, afirmou que “a verdade é que 70% da população vai ser infectada, não adianta correr disso”. De forma intencional, o presidente esconde que, quanto mais rapidamente a pandemia se espalhar, mais pessoas poderão morrer por falta de atendimento em hospitais. Não é à toa que seus apoiadores realizaram manifestações e carreatas no último domingo, de caráter antidemocrático, e contrariando decretos de vários municípios contra a aglomeração de pessoas, como medida preventiva ao coronavírus.

“Bolsonaro e o Ministério da Saúde não só não ajudam no combate à pandemia, como atrapalham, divulgando informações falsas e/ou infundadas cientificamente. Como pode o Ministério da Saúde confiscar respiradores de locais que necessitam dos equipamentos, como o que ocorreu em Manaus e Rio de Janeiro? É importante lembrar que os equipamentos foram liberados apenas por decisão judicial. É absurdo que em um momento tão delicado como este representantes do Poder Público continuem com suas políticas que beneficiam apenas o mercado financeiro e empresários”, critica Sérgio Barroso, diretor de comunicação da Adusb.

O Brasil pós-pandemia

Tudo isso não acontece por acaso. Enquanto a população luta pela sobrevivência, as articulações para o pós-pandemia já começaram e revelam um cenário preocupante. A proposta é a redução do Estado, dos serviços públicos, desregulamentação do trabalho, privatizações e segue a todo vapor.

De acordo com informações do Andes-SN, “o projeto desenvolvido pela Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia (SEDDM), assinado por Guedes, propõe como soluções centrais para o país pós-covid-19 três eixos: venda de ativos da União; acelerar o programa de concessões e investimentos; e reformas estruturantes”.

Para o vice-presidente da Adusb, Alexandre Galvão, “neste momento, as bandeiras de luta de nosso sindicato em defesa dos serviços públicos, da revogação da EC 95 e a prioridade nos investimentos públicos à saúde, educação e à assistência social são absolutamente prioritários. A política genocida do governo federal e de alguns governos estaduais e municipais se ampara na perspectiva de que a classe trabalhadora deve pagar com a vida os efeitos da pandemia do coronavírus, enquanto os banqueiros, industriais, o agronegócio e todos aqueles que vivem de renda e do trabalho de outros mantêm seus lucros e suas vidas. Não iremos assistir passivamente o incremento do desmonte do Estado em favor dos interesses do capital. Mais do que nunca a classe trabalhadora, por meio dos seus sindicatos, deve se levantar contra essa política neoliberal que sucateia os serviços públicos e ataca as condições de trabalho e direitos da classe trabalhadora. A pandemia demonstrou o quanto o sistema dominado pelo capital, no mundo todo, é desumano e perverso”.   

 

com informações do ANDES-SN, CSP-Conlutas, G1, Estadão e O Globo.