Entrevista com Alda Souza: Pandemia, políticas sociais e população negra

Pensando no marco da abolição da escravidão, o racismo estrutural e o atual contexto da pandemia, a Adusb entrevistou a professora Alda Souza sobre as políticas sociais adotadas pelos governos. A docente faz parte do Departamento de Ciências Humanas e Letras da UESB (DCHL).

13 de maio é um marco da abolição da escravatura. Numa sociedade em que o racismo é estrutural e se manifesta de variadas formas, o que essa data representa, em especial neste momento de pandemia da COVID-19, em que os dados mostram que a parcela da população mais afetada pela pandemia é justamente a negra e pobre das periferias?

Em primeiro lugar, nós já não "comemoramos" mais esta data, pois, para nós, dia de luta é o dia 20 de novembro, que transformamos em uma semana e depois em um mês: Novembro Negro. Por isso, todos os dias são de luta ao racismo no Brasil e no mundo. A abolição da escravatura foi um marco sim, mas para que a supremacia branca projetasse novas perspectivas capitalistas, em vez de feudalistas, sobre o trabalho humano. Vale lembrar que para a elite branca as pessoas negras, não eram consideradas humanas, eram consideradas como animais, por isso a Carta da Princesa Isabel se tornou um marco para a Proclamação da República e seus desdobramentos tais como: retorno de diversas pessoas à África; criação das moradias precárias ao redor dos centros urbanos; expulsão dos então negros "libertos" das fazendas; início das imigrações (italiana, japonesa, entre outros). Tudo isso culminou na exploração dos trabalhadores negros que, caso, quisessem continuar sobrevivendo teriam que continuar se submetendo ao trabalho escravo para não perder lugar para o imigrante. Ora, vemos que no Brasil a elite branca paga pelo trabalho realizado por outro branco, mas não quer pagar da mesma forma os trabalhadores negros. Essa realidade do início do século XX se perpetua até os dias de hoje, fazendo com que a população negra tenha salários inferiores aos salários dos brancos. Assim, como os negros e negras realizam tarefas que os brancos não querem realizar. As condições de vida e de trabalho de boa parte da população brasileira são extremamente precárias, pois muitos se aglomeram, como foi dito, em favelas ou invasões devido à proximidade com centros urbanos, onde o capital circula. A falta de saneamento básico e as desigualdades sociais, que são históricas no Brasil, são agora evidenciadas muito claramente com essa pandemia da COVID-19. Foram os ricos, aqueles que podem viajar para o exterior, que supostamente trouxeram a doença, mas é justamente na população negra, mais pobre, de baixa renda e trabalhadores informais que a disseminação do vírus faz seu estrago maior. Por isso, a união e conscientização das pessoas são muito importantes nesse momento e as organizações não governamentais tem um papel crucial no atendimento e orientação da população que mais necessita. Destaco que o trabalho e ações voluntárias também desempenham um papel importante nesse momento, assim precisamos, mais do que nunca, levar as informações corretas para que a população negra e desassistida possa resistir. Nesse sentido 13 de maio é DIA DE RESISTÊNCIA NEGRA!

O racismo estrutural de nossa sociedade faz com que a população negra seja a mais submetida a condições de trabalho precarizadas e por conseguinte a que mais sofre com os impactos econômicos causados pela pandemia da COVID-19. Nesse contexto, como você avalia as políticas emergenciais de auxílio às trabalhadoras/trabalhadores atualmente adotadas pelo governo federal?

As pessoas creem que o Auxílio Emergencial é uma boa ação do Governo, mas é uma obrigação! O Governo Federal socorre bancos; acumula ações que rendem fortunas;  desabona empresas falidas; acabou de aprovar uma Previdência que só prejudica as trabalhadoras/trabalhadores; entre outras ações que realiza com o dinheiro público para beneficiar somente os mais ricos. Para mim, esse auxílio ainda é insuficiente, comparado a todos os benefícios que a parcela mais rica tem no Brasil. Com base na situação de pandemia mundial, o Governo deveria aproveitar para cumprir metas sociais, tais como: saneamento básico nas periferias; hospitais de campanha nas periferias e locais de grandes aglomerações, pois de quê adianta ter um hospital montado em um estádio e as pessoas terem que se deslocar para lá; habitação digna para as pessoas. Mas infelizmente, o que presenciamos dia a dia é um desgoverno que promove a morte das pessoas, em especial às mais pobres, pela falta de direcionamento de ações efetivas de combate à pandemia.

As mães solo têm direito a receber R$1.200 de auxílio emergencial durante a pandemia. Levando em conta que as mulheres negras são a grande maioria das mães solo no Brasil, você acredita que esse benefício dará conta das demandas destas famílias?

Apesar de termos um desgoverno, o Auxílio Emergencial, que diga de passagem tem esse valor por conta da pressão do Congresso e não da proposta do Ministro da Economia ou do Presidente, que queriam liberar os pífios R$200,00; enfim esse auxílio segue os princípios básicos da gestão de Dilma Rousseff, onde se reconhecia que recursos básicos (Habitação; IPI na linha branca; Bolsa Família e outros) deveriam ser direcionados às mulheres mantenedoras da família. Esse é um ponto importante de se reforçar, pois devemos por fim ao patriarcado que ainda vigora no Brasil. O patriarcado está intrinsecamente ligado aos preconceitos raciais e de gênero. Se cada vez mais reconhecermos a importância da mulher, em especial as negras, trabalhadoras e de baixa renda; como pilar de uma sociedade, contribuiremos para as mudanças na educação, cultura, economia, saúde e muito mais. Necessitamos da sensibilidade quanto ao papel desenvolvido pela mulher na sociedade brasileira, pois, pensando de forma metafórica, enquanto muitos homens deram Sangue na luta por um Brasil mais justo, às mulheres negras deram Leite. Como foi dito, o valor do auxílio não é nesse momento o ideal, mas o essencial. Essencial para que as famílias não morram de fome, pois na sua grande maioria as mulheres são trabalhadoras informais, que dependem das pessoas nas ruas para o seu sustento. Infelizmente, o isolamento social, a pandemia e o auxílio entregue de modo desordenado (sem um planejamento e ações conjuntas); têm gerado outro problema que fora o período da pandemia já se instala: a violência doméstica. O aumento dos casos de violência doméstica, tem aumentado nos grandes centros urbanos. Por isso, um auxílio sob a forma de recursos financeiros não é o suficiente para a população mais desassistida, precisamos de Políticas Públicas efetivas, de modo coordenado, planejado e reestruturado.