Sob pressão do movimento negro, em luta desde a morte de George Floyd, polícia de Minneapolis será dissolvida

Desde a morte de George Floyd, a delegacia em que os policiais responsáveis por sua morte trabalhavam é alvo da fúria de manifestantes. A luta do movimento negro, representado por imagens de pedras lançadas e chamas que destruíram a unidade policial, possibilitou um importante avanço na mobilização por justiça e pelo fim do racismo institucional e do genocídio do povo negro.

As manifestações que levaram milhares às ruas em diversas cidades norte-americanas pressionaram as autoridades e os governos. O Conselho, uma espécie de Câmara de vereadores da cidade local em que ocorreu o crime racista, decidiu, por nove votos – maioria dos 13 membros, sendo então um resultado a prova de vetos – que o departamento policial de Minneapolis não é mais passível de reformas, e que será desmantelado, criando, a partir de agora, um sistema de segurança pública comunitária.

Conquista do movimento – Desde 2014, com a morte do jovem de 18 anos, Michael Brown, em Ferguson, e de Eric Garner, que assim como Floyd foi morto sufocado por policiais, em Nova Iorque, o movimento negro tem defendido o fim da polícia racista nos Estados Unidos.

Com o recente levante negro que tomou as principais cidades, incluindo Washington, a pressão para a construção de um novo modelo de segurança pública ganhou mais força.

Suzete Chaffin, do Coletivo Feminista Marielle Vive, afirma que “a luta antirracista se espalha pelo mundo todo e não vai parar”. Para ela, a proposta de desmantelamento da polícia de Minneapolis representa um bom começo. “É um recado para aqueles que nos acusam de vitimização, quando denunciamos o racismo: não podemos nos calar, não dá para continuarmos sufocados. Essa é uma mensagem que destaca, em negrito, que só a luta garante mudanças, só a luta pode nos levar à construção de uma sociedade socialista”, aponta a ativista.

Uma luta urgente – A polícia de Minneapolis é conhecida por ser uma das mais racistas do estado de Minnesota. E apesar de a polícia nos Estados Unidos não ser militarizada como a que temos no Brasil, segue uma lógica que parte desse perfil, que é considerar uma parcela da população – a mais pobre e vulnerável – como inimiga interna a ser exterminada.

Maristela Farias, do Movimento Quilombo Raça e Classe, considera também um avanço a proposta defendida por Lisa Bender [integrante da Câmara de Minneapolis] e que essa medida “é a que combina melhor com o que defendemos no Brasil em relação à desmilitarização. Essa proposta é a de que seja construído um novo modelo de segurança pública, realmente aberto à comunidade”, descreve.

Um policial de Memphis e um manifestante durante protesto pela morte de George Floyd em Memphis Tennesse | Foto: Patrick Lantrip Daily Memphian AP

Para a militante, embora os países possuam diferentes instituições de segurança pública, que seguem determinadas cultura, legislação e constituição, todas elas têm algo em comum: a imposição da autoridade, do uso de força e da violência, com dura repressão contra setores negros e pobres da sociedade. “Essa é uma ação prática comum e devemos combater isso aqui e no mundo”.

Trump chegou a colocar nas ruas a Tropa da Guarda Nacional, para reprimir as manifestações. A militarização foi duramente criticada e o presidente acabou recuando da ação. Ainda assim, as polícias nas ruas têm sido flagradas em vídeos publicados em redes sociais agindo com extrema truculência contra manifestantes. Esta segunda-feira (8) marca o 14º dia de protestos no país.

Experiência alternativa – O condado de Camden, em Nova Jersey, é um exemplo de que desmantelar o modelo de polícia tal qual conhecemos hoje não favorece o aumento da criminalidade. Pelo contrário. Esta região, em 2012, ocupava o quinto lugar da lista de cidades mais mortais dos EUA. Mas desde 2008 a criminalidade tem diminuído, com declínio que possibilitou chegar ao número mais baixo de assassinatos, crimes violentos, assaltos e outros incidentes registrado desde o ano de 1987.

Camden é uma cidade em que a polícia foi dissolvida e refundada a partir de uma lógica comunitária e efetivamente participativa. A segurança pública abrange a discussão da população e o atendimento para todos em questões como acesso a serviços sociais, suporte econômico e acesso à educação.

Agora, em Minneapolis, o que o conselho discute como parte das ações de mudança é exatamente encaminhar medidas como as tomadas em Camden: administrar os recursos para setores que são sociais e que formam parte de um todo que representa a segurança pública.

Apesar de o prefeito de Minneapolis, Jacob Frey, não estar de acordo com o fim da polícia, com a maioria na Câmara ele não terá poderes de barrar a proposta.

Intercâmbio de opressões – De acordo com pequisa realizada pelo jornal Washington Post, 1014 pessoas foram mortas a tiros por policiais no país em 2019, sendo as principais vítimas eram negras. A ONG Mapping Police Violence aponta que, nos EUA, os negros têm quase três vezes mais chances de serem mortos pela polícia do que brancos.

Para termos ideia da importância da organização internacional em torno da pauta, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Brasil, a polícia fez quase 6 vezes mais vítimas que a polícia dos EUA: 5.804 até o ano passado. Do total, 75% (ou 4.533) eram negros.

Protestos em Minneapolis, cidade considerada das mais racistas de Minnesota | Foto: Elizabeth Robertson/The Philadelphia Inquirer/AP/

E esses dados estão mais do que entrelaçados. Maristela relembra que a chamada “Política de Tolerância Zero” no Brasil foi adotada por nossas polícias por que elas foram enviadas aos EUA por Sérgio Cabral, para que fossem treinadas e especializadas com os policiais norte-americanos.  “No Brasil, considerando as leis criadas para criminalizar os movimentos sociais e os sujeitos, como a lei anti-drogas e a antiterror,  por exemplo, que encarceram em maioria jovens e negros em massa, a política da tolerância zero e da guerra interna é aprofundada”, alerta.

Julio Condaque, do Movimento Quilombo Raça e Classe, diz que é a partir dessa ótica repressora que morrem tantos nas favelas e nos morros no Brasil. “Por isso precisamos proteger a população com Conselhos Populares para que, a partir de assembleias, ela possa decidir as ações nos territórios, criando mecanismos de fiscalização e condução na segurança pública”. Para ele, o que acontece hoje vai lá direção oposta da reconstrução de uma segurança voltada para a comunidade. “A população não possui controle algum e a polícia atira e depois pergunta de quem é o filho”, acrescenta.

Luta internacionalista – No Brasil, atos foram realizados no último domingo (7) por todo o país, como urgente expressão da luta contra o governo Bolsonaro e Mourão diante da pandemia, o descaso desse governo genocida, e a violência policial e racista.

Os protestos no Brasil aconteceram no Distrito Federal e em estados como São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em São Carlos (SP), uma ordem judicial e a Polícia Militar impediram o ato. Em Belém do Pará, o protesto também não foi realizado sob repressão e manifestantes foram detidos.

Ato realizado em Belo Horizonte (7) com apoio da CSP-Conlutas | Foto: Redes Sociais

Em final de semana anterior (31/5) movimentos já realizavam protestos de rua em solidariedade às manifestações nos EUA por justiça para George Floyd. Em nossas manifestações, levamos também o grito por justiça para João Pedro, menino negro executado pela PM do Rio de Janeiro, bem como a revolta com o triste caso da morte do menino Miguel Otávio, em Pernambuco.

O assassinato de George Floyd tem sido o rastilho de pólvora para manifestações contra o racismo em todo o mundo, sob o slogan “I can’t breathe” (não consigo respirar). Desde sábado (6), diversas cidades de países europeus e asiáticos demonstraram apoio à luta antirracista com protestos de rua.

Atos aconteceram na Inglaterra, País de Gales, Escócia, Irlanda do Norte, Itália, Espanha, Hungria, Austrália, Coréia do Sul e Japão. Na Inglaterra, em cidades como Manchester, Londres, Leicester e Sheffield mais de 20 mil manifestantes foram às ruas. Em Londres, 14 pessoas foram detidas durante o protesto. Na França 25 mil de pessoas foram ao protesto. Em Paris, foram 5 mil manifestantes. Atos se espalharam por Bordeaux, Lyon, Lille, Rennes e Marselha. Na Alemanha, em Berlim, 15 mil foram às ruas e atos foram realizados também em Colônia e Dusseldorf.

O prefeito de Londres apoiou os protestos realizados no último sábado (6) | Foto: Sky News

Para a CSP-Conlutas, é importante reafirmar e apoiar a ira e a revolta do povo negro norte-americano contra mais este assassinato. Apoiamos o levante em Minnesota e nas demais cidades americanas em mobilização por George Floyd. É preciso que a indignação popular conduza a sociedade ao fim do genocídio do povo negro, da exploração e opressão.

Justiça para George Floyd!

Justiça para João Pedro!

Justiça para Miguel!

Justiça para Ágatha!

Não seremos sufocados!

#BlackLivesMatter

#JusticeForFloyd

Foto Manchete: Manifestantes protestam contra morte de George Floyd em Minneapolis neste sábado (30) — Foto: John Minchillo/AP Photo

 

Via CSP-Conlutas