Ensino e trabalho remoto foram debatidos no Curso de Formação Sindical da Adusb

Servidores públicos estaduais e municipais, integrantes de movimentos sociais, docentes e estudantes da UESB participaram da primeira etapa do Curso de Formação Sindical da Adusb. O módulo teve como tema “Ensino e trabalho remotos em tempos de crise do capital” e foi ministrado por Eblin Farage, professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, ex-presidente e ex-secretária do ANDES-SN.

A coordenadora do Grupo de Trabalho de Formação Sindical da Adusb, Suzane Tosta, abriu os trabalhos chamando atenção ao contexto atual em que “diante da difusão desse vírus, como também da demora em se obter o controle para a sua doença, que é a covid-19, o capital vai buscando as formas de garantir o seu processo de reprodução, marcado por um discurso em torno de uma nova normalidade, que empurra para o contágio e morte centenas de milhares de trabalhadores. Enquanto o Estado Brasileiro e o presidente negacionista dão seguimento à agenda de ataques à classe trabalhadora”. A dirigente sindical apontou que tais elementos estão diretamente relacionados à intensificação do trabalho, bem como ao ensino e trabalho remoto.

O primeiro momento da explanação foi dedicado à discussão de como o capitalismo funciona e se estrutura. “O capitalismo é um sistema e talvez esse seja um dos nossos desafios. Compreender que como um sistema, ele pressupõe não só uma forma de produzir mercadorias (...), mas uma maneira de pensar. O capitalismo enquanto um sistema econômico, político, social, cultural, conquista corações e mentes, não só pela coerção como alguns julgam, mas essencialmente pelo consenso. Consensos como a ascensão social, que as alternativas devem ser individuais e não coletivas”, afirmou a palestrante Eblin Farage. Neste sentido, quanto maior o processo de alienação da população, mais suscetível à manipulação do capital. A educação, portanto, é um dos principais alvos de ataques.

Neste sentido, assim como a classe trabalhadora possui um projeto de educação pública, gratuita, socialmente referenciada, emancipadora, que combata todas as formas de opressão, o capital também possui o seu, que tem como objetivo alienar, paralisar qualquer tipo de organização da classe trabalhadora. Ambos os projetos são indiscutivelmente distintos e absolutamente inconciliáveis. É necessário então compreender como a estrutura e a superestrutura da sociedade atuam nesse processo de disputa, especialmente dentro de um contexto de crise estrutural do capitalismo, responsável pelo aumento da desigualdade social, bem como da crise do socialismo real, da fragmentação e dificuldades de organização da esquerda.

 Na avaliação de Eblin, tudo isso se reflete na educação superior especificamente naquilo que “a professora Kátia Lima chama do ‘projeto de educação do capital explicitado pelos sujeitos políticos coletivos do capital’, que são o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, UNESCO, Fundo Monetário Internacional. Uma disputa de projetos que está pautada essencialmente na disputa entre público e privado. Essa é a marca da disputa da educação no Brasil. E o ensino remoto vai fortalecer o projeto de educação do capital e ele vai destituir, desestruturar ainda mais o projeto de educação que nós defendemos”.

Este projeto de educação destas organizações é pensado não só para o Brasil, mas para toda América Latina. A ideia central é a mudança de concepção da educação não mais como direito social, mas como mercadoria. A educação utilizada como mais uma forma de apropriação privada do fundo público, que tem a educação à distância e o ensino privado como principais elementos. O ensino remoto apresenta-se como um derivado da educação à distância, mais uma ferramenta para aligeirar a educação, melhorar os índices criados por liberais, que não levam em consideração a qualidade da educação.

“Por que a preocupação do Brasil em garantir os semestres nesse momento da pandemia? Porque os números do Brasil não podem cair. Porque são exigências internacionais. Por isso, passar de qualquer maneira, mesmo num período remoto, mesmo sem conteúdo, mesmo sem qualidade (...). Há toda uma necessidade de aparentar uma certa normalidade e, portanto, fazer a roda girar e concluir os períodos, concluir o processo da universidade como se nada estivesse acontecendo”, criticou Eblin Farage.

Mesmo antes da pandemia, o ensino à distância cresceu 45% e o presencial reduziu 5% no Brasil, conforme dados de 2019 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Em 2009, o número de matrículas em graduação à distância correspondia a cerca de 16%, chegando a quase 44% dez anos depois.

Por conta da definição da educação à distância, que exige profissional qualificado, políticas de inclusão, avaliação e acompanhamento compatíveis, dentre outras questões, as universidades optaram por denominar as atividades realizadas virtualmente durante a pandemia de ensino remoto emergencial. A decisão foi pautada no fato de que o mesmo não corresponde aos requisitos regulamentados em lei da educação à distância. 

Outro problema apontado pela palestrante é o desrespeito ao tripé ensino, pesquisa e extensão, assegurado pela Constituição Federal. “Isso parece que é menor, mas não é. Porque o ensino remoto emergencial está impactando de forma estruturante o modelo de universidade. Porque ele está esvaziando o que é a universidade. Ele está nos remetendo a uma perspectiva das faculdades isoladas, onde não é necessário fazer extensão e pesquisa, basta o ensino e qualquer ensino. Nós entendemos que a educação é dialógica, é coletiva, é interativa, crítica, diversa, partilhada, de troca de saberes, processual e, portanto, extrapola a sala de aula. O que estamos fazendo no ensino remoto emergencial não pode ser considerado nem educação à distância, nem educação” [no sentido descrito], afirma.

A implantação do ensino remoto emergencial em diversas universidades brasileiras foi feita de forma aligeirada, sem discussão com a comunidade, de forma autoritária. Não existiu uma preparação no sentido de acesso às tecnologias, deixando as universidades à mercê dos grandes conglomerados. Houve ainda um processo de esvaziamento do fazer docente, estimulando a possibilidade inclusive da substituição da professora e do professor por um vídeo. Também foi descartada as condições materiais e saúde mental de docentes, estudantes e técnicos.

“Antes da gente responder que educação teremos, temos que nos responder que mundo queremos. Porque o projeto de educação que nós defendemos está vinculado a um projeto de mundo”, conclui Eblin Farage.