Negociação antes de demissões em massa: entenda o julgamento no STF que terá efeito a todos trabalhadores

Nesta quinta-feira (20), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli pediu vistas no julgamento do Recurso Extraordinário (RE 999435) que discute a necessidade de negociação coletiva antes de empresas realizarem demissões em massa no país. Com o pedido, o julgamento foi interrompido até que o ministro dê o seu voto, ainda sem data definida.

Este processo tem a chamada repercussão geral (conforme decisão do STF de 2013 – tema 638). Ou seja, o resultado do julgamento passará a ser o entendimento para todos os casos do tipo no país.

O recurso tem a ver com uma ação movida pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e região, filiado à CSP-Conlutas, depois que a Embraer, em fevereiro de 2009, demitiu 4.273 funcionários. Na época, a entidade realizou uma forte mobilização, com vários protestos e lutas, e também entrou com uma ação de dissídio coletivo contra os cortes feitos pela empresa.

Em decisão à ação, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) passou a exigir negociação coletiva em situações de demissão em massa. Ou seja, qualquer empresa que queira demitir um grande número de funcionários, antes terá de abrir negociação com o sindicato da categoria, para buscar alternativas visando reduzir o impacto social de uma medida dessa natureza.

Foi uma decisão inédita que desde então vem sendo base para outras decisões semelhantes. Atualmente, o entendimento do TST prevalece. Mas, a reforma trabalhista, Lei nº 13.467, de 2017, dispensa a obrigação e nesse recurso a Embraer questiona a decisão.

Placar 3 x 2

Até o momento, três ministros entenderam que não há previsão legal que obrigue a negociação prévia nas hipóteses de demissões coletivas ou em massa, entre eles o relator, ministro Marco Aurélio, que foi seguido pelos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes.

De outro lado, dois ministros votaram para reconhecer a obrigatoriedade da negociação, em divergência aberta pelo ministro Edson Fachin e que foi seguida por Luís Roberto Barroso, nesta quarta-feira (20).

Ontem, Barroso destacou que a corte trabalhista introduziu um requisito procedimental e não material: a necessidade de sentar à mesa de negociação, oportunidade para que a empresa, ao demitir em massa, exponha suas razões e ouça o lado dos trabalhadores, por meio do sindicato. Segundo ele, o TST não exigiu acordo ou autorização prévia para demissão, mas apenas que os representantes dos sindicatos sejam ouvidos e tenham o direito de apontar outras saídas.

Na sua avaliação, existe, inequivocamente, uma omissão inconstitucional na proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária e sem justa causa, pois há uma norma constitucional que, até hoje, não foi regulamentada pelo Congresso Nacional. Trata-se do artigo 7º, inciso I, que prevê a aprovação de lei complementar para tratar desses direitos trabalhistas.

Ainda de acordo com o ministro, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) prevê a solução transitória de indenização até que sobrevenha a lei complementar prevista nesse dispositivo, “que, como sabemos, jamais foi promulgada”. Barroso ainda citou o artigo 8º, incisos III e VI, da Constituição, que enfatiza a representação dos trabalhadores por meio dos sindicatos e determina a participação dessas entidades nas negociações coletivas de trabalho. Citou, por fim, o inciso XXVI do artigo 7º, que se refere ao reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos de trabalho.

Ele destacou, também, que a Constituição brasileira e as convenções internacionais relevantes, notadamente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), valorizam a negociação coletiva e que, mesmo em situações extremas, o incentivo ao diálogo é o ideal. “A demissão coletiva é um fato socialmente relevante, pelo impacto não apenas sobre os milhares de trabalhadores afetados, mas sobre toda comunidade onde vivem essas pessoas. Considero, portanto, legítimo e desejável o empenho em minimizar esse impacto”, concluiu.

A defesa dos empregos

Esse julgamento no STF ocorre no momento em que o país registra desemprego recorde com mais de 14 milhões de trabalhadores sem emprego, sem falar em demissões em massa realizadas recentemente, como a Ford, que anunciou o encerramento da produção no Brasil, ou a LG, que também decidiu parar de produzir celulares.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São José e região defende a garantia de pleno emprego e, como regra mínima, a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que proíbe demissões imotivadas, independente do número de trabalhadores atingidos. Os advogados da entidade sustentam ainda que a Constituição brasileira já veda demissões arbitrárias e exige a participação dos sindicatos em todas as discussões, seja na esfera do emprego, salário e condições de trabalho.

“A criação, em 2009, dessa exigência de negociação prévia com o sindicato antes de uma demissão coletiva, para buscar alternativas de menor impacto social, representou um autêntico avanço civilizatório, evitando desligamentos com a adoção da suspensão temporária dos contratos de trabalho (lay-off) e a opção por PDVs, com pacotes de benefícios que permitem enfrentar a situação de desemprego com mais recursos”, avalia o advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos Aristeu César Pinto Neto.

“Os exemplos recentes da Ford e da LG (e coligadas) é uma demonstração de que essa jurisprudência de 12 anos não pode ser cancelada, ainda mais num momento de crise sanitária como a que vivemos”, defendeu.

CSP-Conlutas