Incêndio na Cinemateca de SP: o resultado do descaso do governo Bolsonaro com a cultura, a arte e a história

Não foi por falta de aviso. O incêndio que atingiu o galpão da Cinemateca Brasileira, localizado na Vila Leopoldina, em São Paulo (SP), na noite desta quinta-feira (29), era uma possibilidade já alertada, pelo menos desde o mês de abril. Um alerta ignorado pelo governo de Jair Bolsonaro, responsável pela instituição.

O fogo foi controlado pelos Bombeiros ainda na quinta, mas não se sabe ainda toda a extensão dos danos. O prédio, de 9,5 mil metros quadrados, teve o galpão de cerca de 1 mil metros quadrados comprometido. Segundo informações divulgadas pela imprensa, o fogo teria começado durante manutenção no ar condicionado de uma sala.

A Secretaria Especial de Cultura do governo informou que o inquérito para apurar as causas do incêndio será conduzido pela Delegacia da Polícia Federal.

A Cinemateca abriga o maior acervo de imagens em movimento da América Latina. São cerca de 245 mil rolos de filmes e 30 mil títulos, entre obras de ficção, documentários, cinejornais, filmes publicitários, livros, roteiros, registros familiares, entre outros documentos. A instituição guarda, por exemplo, registros raros, como a coleção de imagens da TV Tupi, primeira emissora do país inaugurada em 1950 e extinta em 1980.

Apesar da sede com a maior parte do acervo estar localizada na Vila Clementino, o incêndio no galpão atingiu salas que também abrigam o acervo histórico de filmes e arquivos impressos. É a história da TV e do cinema brasileiros perdidos em meio às chamas que tomaram o local.

Projeto de governo

Como denunciaram servidores públicos, cineastas e artistas, o fogo que tomou a Cinemateca não foi uma “tragédia” inesperada. É resultado da política de descaso deste governo de ultradireita, acostumado a disseminar fake news e negacionismo, e que despreza a educação, a ciência, a cultura e a arte.

Ainda em 2019, no primeiro ano de governo, Bolsonaro rescindiu o contrato com a mantenedora da Cinemateca, a Fundação Roquete Pinto. Os motivos: as mesmas loucuras bolsonaristas de sempre, acusando a instituição e os artistas de “marxismo cultural”, “esquerdismos” e coisas do gênero.

No dia 7 de agosto de 2020, o governo chegou a enviar a Polícia Federal ao local para tomar as chaves da instituição. Os funcionários foram demitidos e contas não foram pagas, incluindo prestadoras de serviço de segurança e manutenção do imóvel. No final do ano, o secretário especial de Cultura, o ator bolsonarista Mário Frias, disse que publicaria um edital para contratar uma Organização Social para assumir o local, mas nada foi feito.

Em abril deste ano, trabalhadores da Cinemateca denunciaram numa carta aberta o abandono da instituição. A situação chegou a ser tema de debate no dia 12 de abril, na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.

Na carta, os trabalhadores cobraram uma ação emergencial para preservar o acervo e manter o funcionamento do espaço. “Não há corpo técnico contratado, o acervo segue desacompanhado e não há qualquer informação sobre suas condições. Por esse motivo, lançamos um alerta acerca dos riscos que correm o acervo, os equipamentos, as bases de dados e a edificação da instituição”, afirmaram os trabalhadores.

Um dos principais riscos é o de incêndio, já que o material das películas antigas exige cuidados específicos. Sem eles, há risco de combustão espontânea, pela presença de nitrato de celulose.

Como demonstram os fatos, a responsabilidade por tamanha destruição da história e memória nacional é deste governo de ultradireita. Cineastas, artistas e as mais diversas entidades e personalidades afirmaram que queimar conhecimento e cultura é um projeto desse governo genocida, negacionista e corrupto.

Em entrevista à Globo News, vários cineastas consternados falaram sobre o caso. Walter Salles foi incisivo: “o incêndio do galpão da Cinemateca é o resultado do desprezo e incompetência de um governo que veio para apagar a nossa memória coletiva, e não para preservá-la. Ao afastar o corpo técnico altamente especializado da CB, o governo criou as condições para essa tragédia anunciada. Esse desastre não é um incidente, e sim a consequência de uma política de estado. Uma Cinemateca guarda a memória visual de todo um país. É um bem público, que pertence a todos os brasileiros e não a um governo. Simbolicamente, o incêndio do galpão da Cinemateca Brasileira – e portanto da nossa memória coletiva – é como o incêndio das terras públicas na Amazônia. Um crime.”

Com informações: G1 e UOL

Via cspconlutas.org.br