Nota do GTPE: A quem interessa o retorno presencial das aulas, da forma como vem ocorrendo no Brasil?

Governos estaduais e municipais, de forma desorganizada e descoordenada, têm imposto o retorno presencial das aulas na educação básica. Tais decisões, quase sempre tomadas sob pressão do setor privado, desconsideram o contraditório, a posição dos responsáveis, dos estudantes, dos especialistas, dos/das profissionais da educação e suas representações. Multiplicam-se os supostos protocolos de segurança, que, em sua maioria, ou totalidade, excluem o tripé: ampla testagem, rastreamento de contatos e isolamento; elementos que deveriam fundamentar o protocolo de biossegurança para atividades presenciais coletivas, em situações de pandemia.  

Argumenta-se, em defesa do retorno presencial, que o quadro epidemiológico da COVID-19 vem se abrandando, mas a realidade é outra. Utilizando a narrativa que há reduções significativas no número de novos casos e óbitos diários em relação aos altíssimos índices observados este ano, desconsidera o baixo índice de vacinação da população em geral, e a circulação da carga viral. 

A vacinação deveria trazer esperança, mas o cenário no Brasil é desalentador. O governo negacionista de Jair Bolsonaro apostou na lógica genocida da imunidade de rebanho pela morte, levando, infelizmente para nós, mas não para Bolsonaro, às mais de 560 mil vidas perdidas para a COVID-19. Na CPI da COVID-19 denúncias gravíssimas apontam que o núcleo duro do governo federal propositadamente retardou a compra das vacinas à espera de acordos de compra que pudessem garantir propinas aos seus integrantes. A vacinação segue de forma lenta, completamente desorganizada, com sucessivas interrupções e até denúncias de favorecimento de grupos. De acordo com o Portal Geocovid1, o número de vacinações em segunda dose por dia apresenta grandes variações, o que nos coloca um cenário de grandes dúvidas sobre quando atingiremos o quadro seguro de imunização coletiva pela vacinação, que, segundo especialistas, ocorrerá quando 70% a 75% da população estiver vacinada em segunda dose. O avanço da nova variante Delta do SARS-CoV-2 traz preocupação, uma vez que não se sabe qual será seu impacto, onde a campanha de vacinação está atrasada. O estado do Rio de Janeiro, um dos primeiros no Brasil a ser afetado pela variante Delta, suspendeu as aulas presenciais no dia 06/08, temendo o avanço rápido do número de casos. 

Ao discutir atividades laborais presenciais em qualquer setor, uma das primeiras preocupações das autoridades deveria ser a adoção de protocolos de segurança amparados na ciência, com o objetivo de reduzir a probabilidade de contágio ao mínimo possível. Contudo, no Brasil os protocolos de (in)segurança são amparados nos interesses econômicos, o que se comprova pelo número absurdo de mais 560 mil vidas perdidas para a COVID-19. Mas o governo Bolsonaro não está sozinho no descaso com a segurança da população. Estados e Municípios manipulam protocolos de segurança, tornando-os meramente figurativos, e sempre excluem o tripé: testagem ampla, rastreamento e isolamento. Em muitos casos os especialistas sequer são consultados e o contraditório é silenciado. 

Um exemplo é o caso de Vitória da Conquista. Para criar o protocolo de “segurança” para o retorno presencial das aulas, a prefeitura aliada aos interesses do setor privado, não consultou, por exemplo, o Conselho Municipal de Saúde, conforme nota divulgada pelo Conselho no dia 04/08, bem como, as representações dos/as profissionais da educação. A pedido dos proprietários da escola, a medida de suspensão das turmas com casos confirmados de COVID 19 (isolamento) foi “flexibilizada”. A Prefeitura, ignorando os estudantes e profissionais que frequentam a rede pública municipal sequer adequou a infraestrutura das escolas públicas para o retorno presencial, conforme denunciou o Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista – SIMMP, sendo, portanto, forçada a adiar o retorno das aulas na rede pública municipal, o que evidencia a ausência de investimento do setor público uma vez que a educação continua não sendo prioridade para os governos. 

Além de Vitória da Conquista, em outros municípios do Centro Sul Baiano, como Jequié e Itapetinga, os governos municipais - em clara aliança com o setor privado da educação - também impuseram o retorno presencial das aulas na educação básica em moldes similares aos de Vitória da Conquista. Essas decisões verticalizadas do poder público municipal só reforçam a contradição entre o público versus privado cujo fundamento é a simbiose Estado/capital.  

Também de forma arbitrária, intempestiva, autoritária e para legitimar o retorno da rede privada, o governo Rui Costa determinou o retorno presencial das aulas na rede pública estadual da educação básica. O governador, mais uma vez de forma desrespeitosa, desconsiderou o intenso trabalho de professores e professoras da rede, que não pararam de trabalhar, de forma remota, para garantir o semestre que está em curso. Para desqualificar os/as profissionais da educação que questionavam as condições de biossegurança das escolas e a lentidão da vacinação, o governador preferiu ameaçar os/as profissionais da educação com cortes de salário caso não retornem presencialmente às escolas, hoje espaços insalubres, tendo em vista a ausência de biossegurança para barrar a propagação da COVID-19. Nesse cenário de terror, sequer os/as estudantes foram poupados/as. O secretário de educação, Jerônimo Rodrigues, garantiu que os/as estudantes que não retornassem presencialmente para as atividades escolares teriam suas bolsas cortadas. Esse é o modelo de educação, autoritária e negacionista que os senhores Rui Costa e Jerônimo Rodrigues têm para a Bahia.  

Para justificar o retorno presencial, a despeito de todas as questões apontadas acima, apresenta-se o impacto didático e psicológico da suspensão das aulas presenciais nos estudantes. De fato, não há como negar as barreiras enormes do ensino remoto, para estudantes e profissionais da educação. Professores e professoras continuaram trabalhando, ainda mais arduamente, para tentar superar essas barreiras. Adaptando-se a novas ferramentas, adquirindo com recursos próprios equipamentos de informática, fazendo malabarismos diversos para conciliar o trabalho doméstico, a vida pessoal, com as novas e maiores exigências do ensino remoto. Para o grande número de estudantes em vulnerabilidade socioeconômica, as barreiras são ainda maiores. Falta de local de estudo, acesso precário ou inexistente à internet, ausência de equipamentos de informática, além dos muitos que se viram obrigados a ingressar precariamente no mercado de trabalho para ajudar no sustento das suas famílias. Os governos, federal, estaduais e municipais faltaram com sua responsabilidade ao não estabelecer políticas públicas para amparar estes estudantes. Por isso, são os governos e aqueles que defendem a lógica do estado mínimo, os verdadeiros responsáveis pela crise na educação, antes, durante e após a pandemia. Contudo, os defensores do retorno presencial, entre os quais, prefeitos, governadores, políticos, das mais variadas bandeiras partidárias, o presidente da república e os meios de comunicação, preferem ignorar a completa ausência dessas políticas públicas, para responsabilizar e vilipendiar os/as profissionais da educação. Professores e professoras nunca pararam de trabalhar e jamais deixaram de cumprir com suas obrigações! Merecemos respeito!

O Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais da ADUSB (GTPE/ADUSB), vem a público manifestar apoio e solidariedade aos/às profissionais da educação, que em função das condições materiais de sobrevivência, são obrigados a retornarem presencialmente aos seus postos de trabalhos, em condições precárias de trabalho e sem condições de segurança. É necessário que se respeite o protocolo de imunização coletiva com a vacinação de todas e todos! Além disso, é obrigação das autoridades estabelecer protocolos que efetivamente respeitem o tripé testagem, rastreamento e isolamento, visando a preservação da vida e sem concessões aos interesses do lucro! Repudiamos veemente os ataques covardes e mentirosos aos/às profissionais da educação, que em momento algum deixaram de trabalhar e lutar por uma educação pública, gratuita, inclusiva, socialmente referenciada e de qualidade! Desnudar os interesses do Estado aliado ao capital evidencia que, se antes esses se contentavam com a exploração da nossa força de trabalho, hoje eles querem a nossa vida.

 

1 https://portalcovid19.uefs.br/vaccination, consultado em 06/08/21.