No Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo, é preciso denunciar o racismo e a impunidade

Há 133 anos o estado brasileiro proibiu que uma pessoa pudesse ser dona de outra, mas isso não significou o fim da escravidão. No Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que marca esta sexta-feira (28 de janeiro), é preciso refletir sobre as heranças do racismo, exploração e impunidade que, infelizmente, ainda existem no Brasil.

Em 1995, o país reconheceu perante as Nações Unidas a persistência do trabalho escravo em seu território. De lá pra cá, os resgatados em condição análoga à escravidão já somam 57 mil pessoas. O número de trabalhadores e trabalhadoras libertos no ano passado foi de 1.937. O maior índice em quase 10 anos.

É preciso ter atenção aos dados. 80% destes escravos modernos se auto declararam negros. Quase a metade (47%) nasceu na região Nordeste. 90% são homens e 21% haviam estudado até o quinto ano do Ensino Fundamental. Trabalhadores rurais são a grande maioria: 89% dos resgatados.

Se o perfil dos escravizados possui semelhança com os cativos “pré-abolição”, aqueles que escravizam também parecem ter saído do Brasil arcaico. Segundo levantamento publicado pelo MPF (Ministério Público Federal), a maioria dos atuais “donos de escravos” é empresário rural, 47 anos, do Sudeste e possui ensino superior completo.

Outro triste padrão que se repete é o da impunidade. Apenas 6,3% dos acusados desse crime foram levados a julgamento. Os condenados são míseros 4,2%. A maioria dos réus é absolvida em primeira instância (38%). Os números brasileiros são vergonhosos quando comparados aos da Europa (63%) e Ásia (70%) no quesito das condenações.

A chacina de Unaí

O 28 de janeiro foi escolhido para simbolizar o combate ao trabalho escravo devido a uma chacina que ocorreu, na mesma data, em Unaí, no Distrito Federal, há 18 anos.

Na manhã daquele dia, três auditores (Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva) foram mortos a tiros enquanto faziam uma inspeção de rotina, junto com o motorista Ailton Pereira de Oliveira, do Ministério do Trabalho.

Apesar dos executores terem sido condenados e presos, os mandantes do crime foram a julgamento mas continuam em liberdade até hoje. O empresário e ex-prefeito Antério Mânica e seu irmão Norberto Mânica  foram condenados a 100 anos de prisão, mas três anos depois a justiça anulou o julgamento.

Norberto assumiu a culpa e teve a pena reduzida para 65 anos. Mesmo confessando, ele recorre em liberdade, assim como os apontados como intermediários do crime (os empresários Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro).

Onde estão as mulheres?

Embora a população de mulheres (52%) seja superior a de homens (48%) no Brasil, o número de trabalhadoras resgatadas é inferior a 10%. A baixa estatística levanta a dúvida: as mulheres são realmente minoria em condições de trabalho escravo ou apenas não estão sendo libertas?

Em plena pandemia de covid-19, em 2020 e 2021, casos de trabalhadoras domésticas em condição de escravidão ganharam as manchetes dos jornais. Em Minas Gerais, Madalena Gordiano foi liberta após 38 anos de trabalho.

Já Neide Pereira tinha 61 anos quando foi resgatada em apartamento localizado em um bairro nobre de São Paulo. Nos dois casos, as mulheres viveram a maior parte de suas vidas sem ter a chance de conhecer pessoas, de estudar ou de receber remuneração.

Segundo o IBGE, em 2019, havia 6,2 milhões de trabalhadores domésticos, sendo 92% mulheres e 66% negras. No mesmo período de 2021, durante a pandemia, o contingente caiu para 4,9 milhões. Apenas 26,7% possuem carteira assinada.

Com a crise de econômica e o empobrecimento da população, é provável que muito mais Neides e Madalenas estejam em condições análogas a escravidão neste momento.

Ranking

Com 778 trabalhadores resgatados, somente em 2021, Minas Gerais lidera o ranking da escravidão moderna no país. Na sequência, estão: Goiás (304), São Paulo (147), Pará (110) e Mato Grosso do Sul (81).

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