Setembro amarelo: combate ao suicídio no Brasil sofre com falta de políticas públicas

Com o início do mês de setembro, é comum que prédios públicos recebam uma iluminação amarela. A cor virou símbolo do mês de combate ao suicídio, mas muito mais deve ser feito pelo poder público para a campanha não ser apenas uma ação de fachada.

No Brasil, o suicídio é a causa de morte de uma pessoa a cada 45 minutos. Neste mesmo intervalo, o DataSUS estima que haja vinte tentativas frustradas. Os números são altos, preocupantes e estão em ascensão, na contramão do que é registrado no mundo. 

Nos últimos 20 anos, os suicídios subiram de 7 mil para 14 mil ocorrências anuais, sem contar os casos não notificados. O número daqueles que tiraram a própria vida já é maior do que os óbitos registrados por acidentes de moto no mesmo período. 

Utilizando dados do IBGE, a pesquisa da empresa brasileira Azos revelou que, entre jovens de 11 a 20 anos houve um aumento de 46% dos casos. A faixa etária que concentra o maior número de mortes por suicídio é de 21 a 30 anos.

"Como profissional da saúde mental na infância e adolescência tenho visto os jovens chegarem cada vez mais sem perspectiva de futuro, não tem ensino de qualidade e não tem emprego, isso afeta diretamente a saúde mental deles", afirma Marcela Azevedo integrante do Setorial de Mulheres da CSP-Conlutas e Movimento Mulheres em Luta.

Marcela trabalha como terapeuta ocupacional, em um CAPS (Centro de Apoio Psicosocial), em São Paulo.

Causas sociais

É consenso entre os especialistas que o suicídio prevê a interação de diversos fatores individuais, genéticos e de histórico pessoal. Mas também são muito relevantes os aspectos sociais que contribuem para o aumento dos números.

Além da pandemia de covid-19, toda crise econômica gerada deixou sua marca. Tanto o desemprego, quanto o excesso de trabalho para dar conta do mínimo para se viver são fatores preponderantes, assim como a fome, a pobreza, a falta de moradia e de perspectiva.

Não é a toa que os países pobres concentram mais de 70% dos casos de suicídio em todo mundo. Outro agravante é a dificuldade de acesso a tratamentos de qualidade, que na maioria das vezes são caros e de longa duração.

Os CAPS podem reduzir em 14% os casos de suicídio, no entanto ainda estão muito longe de cobrir a maior parte das cidades do país e também sofrem com o desinvestimento do governo federal no SUS. 

Norte e Nordeste

Um estudo realizado pela Fiocruz analisou os casos de suicídio durante a primeira onda da pandemia. Foi notado um aumento significativo de mortes nas regiões Norte e Nordeste, as que apresentam maior vulnerabilidade socioeconômica.

Os resultados apontam que, em homens com 60 anos ou mais da região Norte, o excesso de suicídios alcançou 26%. A tendência foi seguida pelas mulheres da região de 30 a 59 anos. No Nordeste, mulheres com mais de 60 anos cometeram 40% a mais de suicídios.

A tendência de aumento nas regiões mais pobres contrasta com o declínio de 13% de casos registrados na média brasileira no mesmo período. Mais uma prova que os aspectos sociais são peça chave para solucionar a questão. 

Suicídio negro

A cartilha Óbitos por Suicídio entre Adolescentes e Jovens Negros, lançada pelo Ministério da Saúde, com dados de 2012 a 2016, revelou que a cada 10 suicídios de jovens no Brasil, seis são cometidos por pessoas negras. No mesmo período, a taxa de suicídios de pessoas brancas permaneceu estável, enquanto a de negros e negras subiu 13%. 

"Além do aspecto econômico, tem também toda violência e hostilidade que promove uma vivência social negativa e adoecedora. É preciso considerar todos esses elementos para se afirmar que está fazendo prevenção ao suicídio. Não basta um mês com ações de propaganda apenas", explica Marcela.

Desinvestimento 

Apesar do cenário trágico exigir o aumento do investimento na Saúde, na Lei do Orçamento apresentada pelo governo Bolsonaro, na última semana, há a previsão de um corte de 42% das verbas destinadas ao Ministério da Saúde.

Em relação às despesas não obrigatórias, R$ 10,42 bilhões estão em uma reserva de emendas de relator, ou seja, sob o controle dos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (PSD). 

Mesmo que o dinheiro permaneça para a área da saúde não há qualquer garantia que contemplarão projetos estruturais, como o atendimento ao público. Nos últimos anos, tais emendas serviram para irrigar ações nos currais eleitorais de cada parlamentar.

"Além da falta de estruturação dos CAPS, que tem relação com a pressão dos donos de clínicas e hospitais privados para financiamento dia leitos psiquiátricos, há o desmonte das equipes de NASF ( Núcleo de Apoio a Saúde da Família) que garantiam importante suporte da saúde mental na atenção básica de saúde", conclui Marcela. 

 

CSP-Conlutas