Ações afirmativas ainda não são garantia de ingresso e permanência de negros no ensino superior
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Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes a 2015, apontam que somente 12,8% dos estudantes em instituições de ensino superior brasileiras, entre os 18 e os 24 anos de idade, são negros (pretos e pardos). Assim, o sistema de ações afirmativas, que são medidas especiais e temporárias que buscam compensar um passado discriminatório e acelerar o processo de igualdade das minorias étnicas e raciais, não foi capaz de igualar o acesso de negras e negros ao ensino superior em relação a brancos no Brasil.

 A inferiorização do sujeito negro, a herança escravocrata, a precarização do ensino básico, a ocupação de postos de trabalho precarizados e com jornadas extenuantes, são alguns dos fatores responsáveis por essa realidade. O pedagogo e pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa e Políticas Públicas para o Ensino Superior (GEPPPES) da Uesb, ligado ao Curso de Pós-Graduação em Educação, Ari Fernandes, afirma que “as pessoas brancas são educadas para ingressar em cursos de alto prestígio (medicina, direito, engenharias etc). Enquanto que para negras e negros, e pessoas do campesinato em geral, (quilombolas, indígenas, ciganos) o ensino superior não lhes é oferecido como horizonte”. A lei federal nº 12.711, que trata das cotas de autodeclarados pardos e negros dentro dos 50% destinados a egressos de escolas públicas, não dá conta da demanda existente.

Após inúmeras dificuldades para ingressar no ensino superior, a população negra enfrenta as mais diversas dificuldades de permanência na universidade. Estudantes que moram distante gastam diariamente com transporte público ou são obrigados a mudar de cidade. Em geral as universidades não possuem uma política de permanência estudantil adequada, que assegure as condições básicas para o estudo, como alimentação, moradia, xerox, internet, etc. O pesquisador Ari enfatiza, “toda vulnerabilidade social desse estudante reflete na sua permanência no ensino superior”.

Ações afirmativas na Uesb

No relatório final do exercício de 2017, o Programa de Assistência Estudantil (PRAE) da Uesb, contabilizou 862 discentes habilitados, entre bolsistas e não bolsistas. Dentre as cinco cotas existentes na universidade, étnico racial, social, adicional indígena, adicional para Portadores de Necessidades Especiais (PNE) e adicional quilombola, a cota étnico racial prevalece entre os habilitados não bolsistas, correspondendo ao percentual de 51,3%, seguida da social, com o percentual de 42,5%. A cota étnico racial também prevalece entre os habilitados bolsistas, 48,3%, seguido da cota social com 42,6%.

No quesito raça/etnia a maioria se autodeclara pardo, 48,37% dos habilitados não bolsistas e 51,3% dos habilitados bolsistas, seguido de negro, sendo 31,7% dos habilitados não bolsistas e 33,8% dos habilitados bolsistas.

No campus de Vitória da Conquista, o número de discentes que se autodeclararam pardos é maioria, 51,78%, seguido de negros, 33,93% e brancos 12,95%.   

A tabela abaixo mostra a distribuição de discentes de acordo com a faixa de renda:

Raça/Etnia x Renda Per capita, campus de Vitória da Conquista.
RAÇA/ETNIA Até R$ 100,00 Entre R$ 100,01 e R$ 200 Entre R$ 200,01 R$ e 300,00 Entre R$ 300,01 R$ e 400,00 Entre R$ 400,01 e R$ 937,00 Acima de R$ 937,00 TOTAL DE DISCENTES 
AMARELO 0 0 2 0 0 0 2
BRANCO 3 5 5 6 10 0 29
INDIGENA 0 0 1 0 0 0 1
NEGRO 12 19 17 13 15 0 76
PARDO 17 25 30 21 23 0 116
TOTAL 32 49 55 40 48 0 224
                                         Fonte: UESB/GAE/CAR/VDC, 2017

O racismo presente na vida acadêmica

A discriminação indireta é outro complicador para a vida de negras e negros na universidade. A participação desses nos programas de iniciação cientifica ainda é expressivamente inferior ao de brancas e brancos. Ari relaciona isso com “a construção do imaginário histórico do negro como alguém com menos potencial para pesquisa e mais apto para o trabalho braçal”. Em programas meritocráticos, como o Pibic e o Pibid, o uso de notas e do histórico acadêmico regular como principais critérios de seleção, torna a situação obviamente desfavorável para a população negra, advindos de um ensino básico sucateado.

Segundo dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão de incentivo a pesquisa no ensino superior, em 2013, a quantidade de bolsistas nas áreas da ciência e da pesquisa brasileiras que se identificavam como pretos e pardos não chegava a 30%.

A orientação acadêmica é também uma área em que a discriminação indireta pode acontecer. Professores que dão menos atenção a temas de pesquisa e/ou TCC como racismo, feminismo, violência de gênero, questões LGBTs por caracterizar “assuntos de vitimização”, limitam o potencial de seus estudantes na vida acadêmica, política e social.

A reparação histórica da lei 10.639/2003

No processo de desnaturalização do racismo e discriminação foi aprovada a lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras nos currículos escolares. Anterior à lei, o principal, se não o único momento de referência de estudantes do ensino básico às negras e negros era o estudo do processo escravagista.

Além do reconhecimento da comunidade negra na formação identitária, socioeconômica e política do Brasil, a mudança curricular pode potencializar o processo de identificação de negras e negros enquanto sujeitos com uma importante história de resistência e luta fundamental para a construção desse país. Ari defende que “a construção de uma pedagogia de resistência ou antirracista (no país) passa pela consolidação da lei 10.639”. Nesse sentido, é necessária a formação adequada dos professores nas licenciaturas para que a importância do negro e da comunidade negra seja reconhecida e o combate ao racismo faça parte da realidade escolar brasileira.

Para que negra e negro conquistem e mantenham seu espaço, o pesquisador Ari Fernades conclui que, " deve ser adotada uma pegagogia antirracista pelas instituições de ensino supeiror, tanto na elaboração de políticas afirmativas quanto no enfrentamento do racismo nas metas, ações e práticas sociais dentro dessa comunidade acadêmica".

A construção de igualdade para negros no Brasil passa pela estruturação curricular dos ensinos básico, médio e superior no reconhecimento e valorização dos sujeitos negros, pelos investimentos públicos em educação, saúde, segurança etc, prioritariamente, em áreas de maior vulnerabilidade social, onde se concentra a maioria da população negra. A garantia de condições de ingresso e permanência de negras e negros no ensino superior é outro passo fundamental nesse processo, pois se a educação é garantida como direito, a universidade é, então, um lugar de direito a todos.

 

Adusb com informações da PROEX/GAE